Gerações de
direitos fundamentais:
A Magna Carta de 1215 já continha direitos semelhantes ao
que posteriormente seriam conhecidos como direitos fundamentais, como o direito
ao devido processo legal.
Mas não eram direitos fundamentais ainda, pois só eram
dirigidos aos nobres. Não havia a característica da titularidade universal
(qualquer ser humano goza, pela simples condição humana).
Uma outra característica necessária ainda não presente na
Magna Carta é a premissa individualista, que é uma característica do próprio
constitucionalismo moderno. Significa que a finalidade básica do Estado e do
direito é a proteção do ser humano, do indivíduo. É a proteção da dignidade da
pessoa humana. Essa premissa fica muito clara se analisarmos o principio da
dignidade da pessoa humana. Não se pode, para otimizar o bem estar da
coletividade, suprimir direitos individuais (Ex: legalizar a tortura em
investigações policiais).
Surgem com as revoluções burguesas, a partir do constitucionalismo liberal.
O objetivo principal do constitucionalismo liberal é
instituir um Estado de Direito, em que o deve prevalecer é a vontade do povo
contida nas leis (“rule of law”), e não a regra dos governantes, do Estado. O
direito serve para limitar o poder estatal e evitar atos arbitrários que
coloquem em risco os direitos individuais. É limitar o poder do Estado pra
proteger o indivíduo.
Esses direitos são, portanto, direitos de defesa. São
direitos a abstenções estatais, ou seja, o direito que o indivíduo tem de
exigir do estado um não fazer. Exemplos são as diversas liberdades civis, como
a liberdade da religião, liberdade de expressão, liberdade de ir e vir,
liberdades econômicas (como a livre iniciativa e a propriedade privada), a
privacidade, o direito à vida, o direito à integridade física e o direito à
igualdade formal.
Um exemplo é a liberdade de religião: o Estado não pode impor
um culto, ele deve respeitar a liberdade individual de cada um.
A liberdade individual é o valor fonte, é a inspiração
dos direitos fundamentais de 1ª geração. Por isso, esses direitos também são
chamados de norma de competência negativa, pois seu objetivo básico é demarcar
uma área em que o Estado não pode entrar, onde deve prevalecer a autonomia
individual, e não a heteronomia das vontades estatais.
Quando se fala em atuação autônoma, se fala em um espaço
de liberdade individual, em que o Estado não pode se imiscuir. O Estado não
pode, por exemplo, dizer qual é a minha religião, qual é a minha visão
política.
2) Direitos de 2ª geração:
Mais adiante, já no século XX, são implementados os
direitos de segunda geração, após críticas de correntes socialistas, que
indicavam que, pra que as liberdades individuais tenham algum significado
prático e efetivo, é fundamental que o Estado garanta condições materiais
mínimas para uma vida digna. O objetivo aqui não é instituir direitos que
impliquem ao Estado um dever de abstenção, mas sim de exigir uma atuação do
Estado. Os direitos sociais ou de segunda geração tem o caráter de direitos
prestacionais, ou seja, são direitos que o indivíduo tem de exigir do Estado
prestações positivas. Podem ser prestações de fazer (Ex: implementação de
serviços públicos), ou de dar (dever do
Estado de entregar benefícios previdenciários e assistenciais). São exemplos de
direito de segunda geração o direito à saúde, o direito à educação, à previdência
e assistência social, o direito à moradia, à alimentação, ao lazer, etc. O
valor que inspira esses direitos não é a liberdade individual, mas sim a
igualdade. Mas uma igualdade não como a do constitucionalismo liberal
(igualdade meramente formal, perante a lei, que pôs fim à sociedade
estamental), mas sim uma igualdade de cunho material. No constitucionalismo
social, resgata-se a ideia de Aristóteles, postulando a ideia de que se deve
tratar os desiguais na exata medida em que eles se desigualem. O foco aqui era
a desigualdade econômica e social presente na sociedade, propondo-se um
tratamento protetivo daquelas partes que apresentem uma situação de
vulnerabilidade. Não à toa, o constitucionalismo social propugna a proteção do
trabalhador nas relações de trabalho.
São marcos do constitucionalismo social e dos direitos
fundamentais de segunda geração a Constituição Mexicana de 1917, a Constituição
de Weimer de 1919 e a Constituição Brasileira de 1934.
3) Direitos de 3ª geração:
Mais adiante, surge um movimento pela melhoria da
qualidade de vida.
Os direitos de 3ª geração possuem 2 características que
os distinguem da 1ª e 2ª:
- A sua titularidade é coletiva. O titular não é o indivíduo,
mas sim uma coletividade Esses direitos
se dividem em direitos difusos e direitos coletivos stricto sensu. Os direitos
difusos tem como titular uma coletividade indeterminada, pois as pessoas que
integram essa coletividade estão unidas por uma relação meramente factual, e
não por uma relação jurídica (Ex: direito a um meio ambiente ecologicamente
equilibrado). Os direitos coletivos em sentido strictu apresentam um liame
jurídico base que une essas pessoas, permitindo-se a sua identificação clara
- A sua indivisibilidade, que é característica tanto dos
difusos quanto dos coletivos strictu sensu. Esses direitos não são passíveis de
um fracionamento de ordem subjetiva, quanto aos destinatários. Ou o direito é
entregue a todos ou não é entregue a nenhum dos titulares.
Exemplos de direitos de 3ª geração: direito à proteção do
meio ambiente, do consumidor, dos idosos, da criança e do adolescente, direito
à paz, direito à autodeterminação dos povos etc.
OBS: Os direitos sociais são direitos de titularidade
individual, ao passo em que os direitos de 3ª geração são de titularidade
coletiva.
4) Direitos de 4ª geração:
Parte da doutrina defende a existência de direitos de
quarta geração.
Paulo Bonavidades defende, por exemplo, que são direitos
de quarta geração os direitos ligados à democracia participativa, como o
plebiscito, o referendo, a iniciativa popular de lei, as audiências publicas, o
amicus curiae etc. São direitos que viabilizam a participação direta do
indivíduo na política. O autor diz que também são direitos de 4ª geração o
direito de representação adequada em fóruns de deliberação internacional.
Outra teoria importante sobre os direitos de 4ª geração é
a que os vincula a questões ligadas a bioética, como clonagem, pesquisa com
células tronco embrionárias etc. É a tese defendida por Gustavo Tepedino.
A doutrina majoritária, no entanto, “para” na 3ª geração.
São direitos que já existiam (Ex: participar do processo
político). O que é novo na verdade não é o direito, mas sim a realidade a qual
se aplicam.
Eficácia horizontal dos direitos fundamentais
É a ideia de que os direitos fundamentais se aplicam também às relações entre os particulares, e não somente às relações com o Estado.
O caso mais importante julgado pelo STF sobre a eficácia
horizontal dos direitos fundamentais foi o caso UBC. A empresa previa em seu
estatuto um procedimento sumário para a exclusão de associados, sem a
observância do devido processo legal, e defendeu-se alegando a própria
liberdade de associação. O autor da ação pediu a aplicação dos direitos
fundamentais nessa relação, e o voto que prevaleceu foi o voto do ministro
Gilmar Mendes, pela aplicabilidade do direito ao devido processo legal no seio
das associações.
Relações
especiais de sujeição:
Há determinadas situações em que uma pessoa,
voluntariamente ou não, se submete a um regime jurídico peculiar.
Ex: alguém que faz concurso pra uma carreira militar
-> a pessoa voluntariamente se submete a um regime jurídico caracterizado
pela hierarquia e disciplina => isso tem um impacto na fruição de
determinados direitos fundamentais.
Já se entendeu que a submissão a uma relação especial de
sujeição implica na renúncia a determinados direitos fundamentais -> Ex: o
indivíduo que ingressa na carreira militar não pode opor o seu direito à
liberdade de expressão ao seu superior.
Essa posição hoje não é mais aceitável. Hoje entende-se
que não há a renúncia em bloco de direitos fundamentais. Mesmo nesse regime
jurídico a pessoa mantém os DF.
Nesses regimes jurídicos, no entanto, haverá uma
tolerância maior a restrições a direitos fundamentais. Isso é um parâmetro
importante na aplicação do principio da proporcionalidade, para saber se a
restrição é abusiva ou não. O próprio constituinte se utilizou desse parâmetro,
ao criar uma exceção à regra da reserva de jurisdição para a decretação de
prisão.
Portanto, essas relações especiais de sujeição não
implicam na renuncia em bloco dos DF, mas sim em uma tolerância maior quanto à
restrição de determinados DF, desde que se tenha um vínculo de pertinência
lógica com os princípios aplicáveis àquele regime.
Ex: a orientação sexual contraria os princípios da
hierarquia e disciplina do regime militar? Não há nenhum vinculo de co-relação
lógica, então nesse particular a fruição dos DF é igual a dos outros regime. A
exoneração do homossexual seria puramente discriminatória.
Pessoas jurídicas podem titularizar direitos
fundamentais?
Hoje há uma tendência a se reconhecer que sim, desde que
o direito fundamental em questão seja compatível com a condição de pessoa
jurídica.
A própria CF estabeleceu direitos titularizados por
pessoas jurídicas.
Ex: incisos 18, 19 e 21 do artigo 5º (Ex: vedação à
dissolução compulsória).
Existem também direitos que podem ser titularizados tanto
por PJ quanto por PF (Ex: devido processo legal, propriedade etc).
Em relação às pessoas jurídicas de direito público,
também precisa analisar se o DF é compatível com a condição de PJ de direito
público, pois os DF normalmente são direitos do individuo em face do Estado.
Nesse caso, teríamos uma situação em que o Estado sai da
posição de devedor pra credor.
Mas ainda que não usual, ela é possível, desde que o DF
seja compatível com a condição de PJ de direito público (Ex: devido processo
legal -> a Uniao não pode desapropriar um bem do município sem o devido
processo legal).
Mas alguns DF são incompatíveis com essa condição (Ex:
sigilo bancário -> não faz sentido restringir as contas públicas, o
principio que se aplica aqui é o da publicidade).
Aplica-se a proteção dos direitos fundamentais aos estrangeiros de passagem?
O caput do artigo 5º só fala em estrangeiros residentes no país.
No entanto, tal dispositivo deve comportar uma interpretação extensiva, pois
os DF são corolários do principio da dignidade da pessoa humana. Dessa forma,
direitos básicos inerentes à condição humana tambem devem ser reconhecidos a
estrangeiros não residentes.
Direitos X
Garantias:
As garantias são instrumentais. Elas não tem um valor
intrínseco. O valor delas não se baseia nelas próprias, mas sim em seu
potencial em proteger os direitos fundamentais.
Ex: habeas corpus -> é um instrumento processual
idôneo à proteção do direito à liberdade.
As garantias fundamentais se dividem em:
- Processuais: são os instrumentos processuais que visam
a tutela de direitos fundamentais. É o caso dos chamados remédios
constitucionais.
- Institucionais: são os institutos ou instituições de
direito publico ou privado que visam à proteção de direitos fundamentais (Ex:
judiciário e MP independente, como uma garantia necessária ao Estado de Direito;
o papel das ONGs na fruição dos direitos fundamentais).
Os direitos, ao contrário das garantias, tem um valor
intrínseco. O direito incorpora e tutela um bem jurídico jusfundamental (Ex:
direito à liberdade).
Direitos
fundamentais na constituição brasileira:
Estão previstos, basicamente, no titulo II.
O constituinte criou um título só para os direitos
fundamentais, o que revela a sua importância.
Nunca houve um catálogo de direitos fundamentais tão
amplo na história do constitucionalismo brasileiro. O constituinte previu
direitos de 1ª, 2ª e 3ª geração, sem qualquer hierarquia entre eles.
Houve também uma eficácia reforçada na tutela dos
direitos fundamentais, que se revela nos parágrafos do artigo 5º e no artigo
60, §4º.
Art 5º, §1º - “Os direitos fundamentais são norma de
aplicabilidade imediata”
Art 5ª, §3º - Trata da questão da hierarquia dos tratados
internacionais sobre direitos humanos.
Art 60, §4 – Trata da proteção dos direitos e garantias
individuais como cláusulas pétreas.
Art 5º, §2º - Trata da chamada “cláusula materialmente
aberta”, porque diz que os direitos previstos na constituição não excluem
outros previstos ao longo da própria CRFB ou previstos em tratados
internacionais, e até mesmo os direitos implícitos. Essa dispositivo abre para
o reconhecimento de 2 tipos de direitos fundamentais na constituição:
- Direitos formalmente fundamentais: são direitos
incluídos pelo constituinte no catálogo constitucional de direitos
fundamentais. São, segundo Ingo Sarlet, os direitos que estão no título II da
CRFB, entre os artigos 5º e 19. São direitos que o próprio constituinte
qualificou como direitos fundamentais.
- Direitos materialmente fundamentais: são direitos
fundamentais não pelo local de sua positivação, mas sim pelo seu conteúdo. São
direitos que podem estar previstos em qualquer lugar (ao longo da constituição,
em leis ordinárias, em medidas provisórias, em decretos) ou não estarem
previstos em lugar nenhum (direitos implícitos). O critério para determinar que
são direitos fundamentais não é a sua topografia, mas sim o seu conteúdo.
A posição majoritária hoje é a de que o critério material
fonte para a identificação de direitos fundamentais é o princípio da dignidade
da pessoa humana.