terça-feira, 11 de março de 2014

Repartição de Competências

De quais critérios o constituinte se valeu para realizar a divisão de competências entre os entes federativos?
O critério básico foi o princípio da predominância dos interesses.
Quando a matéria é de interesse nacional, a competência é dada pra União; quando é de interesse regional, é dada pro estado; quando é de interesse local, a competência é do município.

Como que o STF afere esse critério?
Através do impacto territorial daquela norma.
Se o impacto for interestadual, considera-se que há um interesse nacional.
Se o impacto for intermunicipal, considera-se que há interesse estadual.
Se for intramunicipal, considera-se que há interesse municipal.

São frequentes as hipóteses tanto de conflitos positivos quanto de conflitos negativos, de maneira que esses critérios servem para resolver essas situações de definição.

Outro critério importante é a chamada teoria dos poderes implícitos.
Quando a constituição deu uma competência explícita para um ente, considera-se que implicitamente ela deu também competência para adotar os meios necessários para realização desse fim.
Essa teoria foi fundamental para a centralização das competências legislativas dos Estados Unidos, uma vez que a constituição de 1787 dava pouquíssimas competências para a União.
Há precedentes no STF utilizando essa teoria no Brasil.

O terceiro critério que vem ganhando importância é o chamado princípio da subsidiariedade.
Esse é o critério básico para a distribuição de competências na União Europeia.
O princípio da subsidiariedade reforça a competência dos entes menores, pois diz que uma competência só deve ser transferida a um ente maior se o ente menor não tiver condições de bem exercê-la.
Também não é um princípio estranho ao direito brasileiro. Em áreas onde o legislador quis priorizar a descentralização, utilizou-se de uma lógica típica de subsidiariedade. É o caso por exemplo da lei do SUS.

1)      Competências legislativas x Competências administrativas:

As competências administrativas são as competências para o desempenho de atividades administrativas (Ex: prestação de serviços públicos), enquanto que a competência legislativa é a competência para editar normas jurídicas.

2)      Competências privativas ou exclusivas X Competências comuns ou concorrentes:

As competências privativas seguem a lógica do federalismo dual (se se deu a um ente, tirou do outro).

As competências comuns ou concorrentes seguem a lógica do constitucionalismo social, que é a soma de esforços para lograr um objetivo comum.

Todas essas competências foram previstas na Constituição de 1988.

O artigo 21 traz as competências administrativas da União.
Essas competências são administrativas e exclusivas. Tendo sido concedidas à União, não foram concedidas aos demais.

O artigo 22 trata das competências privativas legislativas da União.

No art. 22, porém, há a previsão de delegação de competências legislativas da União, enquanto que o artigo 21 não prevê a delegação de competências administrativas.
Por isso, durante muito tempo sustentou-se que as competências administrativas seriam exclusivas e indelegáveis.
No entanto, essa tese tem sido superada. São frequentes convênios em que a execução (é verdade que não a titularidade) é transferida da União a Estados e Municípios, sob a supervisão da União.
O fato de não haver previsão explícita no artigo 21 não é óbice a que sejam celebrados convênios com vistas à transferência da execução a Estados e municípios, desde que se transfira apenas a execução, e não a titularidade.
Em relação ao artigo 22, o parágrafo único prevê expressamente a possibilidade de delegação das competências legislativas privativas.
Quais os requisitos para essa delegação?
- Requisito formal: lei complementar
- Requisito material: é um requisito que se coloca a qualquer espécie de delegação; delegação não se confunde com renúncia ou abdicação, que são inconstitucionais. O ente não pode abrir mão de sua competência. Para a validade da delegação, é preciso que haja a definição clara do objeto da matéria delegada. Uma delegação genérica, em branco, não é verdadeiramente uma delegação, mas sim uma renúncia, que é inconstitucional.
- Alexandre de Moraes defende que há um requisito implícito, que é a impossibilidade da União delegar a uns Estados e não a outros, observando-se o artigo 19 da CRFB, que veda que a União estabeleça preferências entre os Estados. Fernanda Dias Menezes tem uma outra tese, dizendo que o fato da Uniao delegar a uns Estados e não a outros não é garantia inequívoca de que se está estabelecendo preferências entre os Estados. O que é fundamental é que essa distinção observe o princípio da proporcionalidade. Se a delegação se justifica, por exemplo, por uma seca no Nordeste, é constitucional a delegação apenas para os Estados envolvidos.

Competências dos Estados:

Em relação aos Estados, as suas competências estão previstas no artigo 25.
A fórmula básica de competência dos Estados está no §1º.
É a chamada competência remanescente ou residual dos Estados. O que não foi dado nem à União e nem aos municípios, é de competência do Estado.
Aplica-se tanto às competências legislativas quanto às competências administrativas.
É uma competência privativa: aquilo que sobrou é só do Estado. Se os outros entes legislarem, estarão invadindo a competência dos Estados.

Art. 25. Os Estados organizam-se e regem-se pelas Constituições e leis que adotarem, observados os princípios desta Constituição.
§ 1º - São reservadas aos Estados as competências que não lhes sejam vedadas por esta Constituição.
§ 2º - Cabe aos Estados explorar diretamente, ou mediante concessão, os serviços locais de gás canalizado, na forma da lei, vedada a edição de medida provisória para a sua regulamentação. 
§ 3º - Os Estados poderão, mediante lei complementar, instituir regiões metropolitanas, aglomerações urbanas e microrregiões, constituídas por agrupamentos de municípios limítrofes, para integrar a organização, o planejamento e a execução de funções públicas de interesse comum.

No entanto, é preciso interpretar essas competências de acordo com a teoria dos poderes implícitos. Competências meio para a União e para os municípios não são competências dos Estados.
Ex: competência para legislar sobre direito administrativo (não prevista) -> é uma condição necessária para o exercício pleno da autoadministração, é um poder implícito da União e dos municípios.

O §2º traz uma competência expressa para o Estado, que é a exploração do serviço de gás canalizado.
Uma competência legislativa também enumerada concedida excepcionalmente ao Estado é a do §3º, que á competência do Estado para instituir regiões metropolitanas, aglomerações urbanas e microrregiões.

Competências dos municípios:

As competências dos municípios estão previstas no artigo 30, que congrega tanto competências administrativas quanto legislativas, ambas privativas e expressas.
Os incisos I e III, primeira parte, trazem competências legislativas privativas.
Os incisos III, segunda parte e seguintes estabelecem competências administrativas exclusivas.

Art. 30. Compete aos Municípios:

I - legislar sobre assuntos de interesse local; assuntos intramunicipais
II - suplementar a legislação federal e a estadual no que couber;
III - instituir e arrecadar os tributos de sua competência, bem como aplicar suas rendas, sem prejuízo da obrigatoriedade de prestar contas e publicar balancetes nos prazos fixados em lei;
IV - criar, organizar e suprimir distritos, observada a legislação estadual;
V - organizar e prestar, diretamente ou sob regime de concessão ou permissão, os serviços públicos de interesse local, incluído o de transporte coletivo, que tem caráter essencial;
VI - manter, com a cooperação técnica e financeira da União e do Estado, programas de educação infantil e de ensino fundamental; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 53, de 2006)
VII - prestar, com a cooperação técnica e financeira da União e do Estado, serviços de atendimento à saúde da população;
VIII - promover, no que couber, adequado ordenamento territorial, mediante planejamento e controle do uso, do parcelamento e da ocupação do solo urbano;
IX - promover a proteção do patrimônio histórico-cultural local, observada a legislação e a ação fiscalizadora federal e estadual.

Competências do Distrito Federal:

O Distrito Federal está previsto no artigo 32, e no §1º se prevê que o DF exercerá competências legislativas reservadas a Estados e Municípios.

Um detalhe importante sobre o DF é a organização das polícias, previstas no §4º do artigo 32.
É uma competência dos Estados que é concedida à União, e não ao próprio DF.

§ 4º - Lei federal disporá sobre a utilização, pelo Governo do Distrito Federal, das polícias civil e militar e do corpo de bombeiros militar.

Há ainda a importante competência do presidente da república para deflagrar o processo legislativo que organiza o MP no DF. O que seria uma competência dos Estados, no plano do DF será disciplinada por lei federal de iniciativa do presidente da república. Isso está no artigo 61, §1º, “d”.

Portanto, polícia, MP e tribunal de justiça, que seriam organizados por leis estaduais, no caso do DF são organizados por leis federais.

Mas a defensoria do DF não! Ela será organizada pelo próprio DF.

Competências comuns:

As competências comuns estão no artigo 23 e têm caráter administrativo.
Se é comum, como que isso se organiza na prática?
A solução pra isso está no parágrafo único, que diz que há uma reserva de lei complementar para disciplinar os critérios que devem pautar a prestação desses serviços públicos de competência comum, com o objetivo de otimizar o empreso de recursos.

Parágrafo único. Leis complementares fixarão normas para a cooperação entre a União e os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, tendo em vista o equilíbrio do desenvolvimento e do bem-estar em âmbito nacional

Competências concorrentes:

O artigo 24 trata das competências concorrentes, que têm natureza legislativa.
Não houve inclusão expressa dos municípios no caput, mas é preciso combinar com o artigo 30, II.

Art. 30. Compete aos Municípios:

I - legislar sobre assuntos de interesse local;
II - suplementar a legislação federal e a estadual no que couber;

Portanto, os municípios tem sim competência legislativa concorrente.

O artigo 24 traz, em seus parágrafos, os critérios:
- Compete à União apenas a edição de normas gerais sobre essas matérias. No entanto, se a Uniao editar uma lei com normas específicas, isso não quer dizer que essa lei será inconstitucional; apenas entende-se que essas normas não vinculam Estados e Municípios.
- Há uma competência suplementar ou complementar dos Estados, que é a competência para editarem normas específicas que complementem as normas gerais de União.
- Há também a competência supletiva, quando a União se mantém inerte na edição de normas gerais, possibilitando que o Estado edite não só as normas específicas, mas também as normas gerais, que valerão para aquele estado. Com a superveniência de lei federal, as normas gerais suspenderão a eficácia das normas gerais estaduais. Caso essa lei federal que suspendeu a eficácia venha a ser revogada, as normas gerais estaduais voltam a viger normalmente.

§ 1º - No âmbito da legislação concorrente, a competência da União limitar-se-á a estabelecer normas gerais.
§ 2º  - A competência da União para legislar sobre normas gerais não exclui a competência suplementar dos Estados.
§ 3º - Inexistindo lei federal sobre normas gerais, os Estados exercerão a competência legislativa plena, para atender a suas peculiaridades.
§ 4º - A superveniência de lei federal sobre normas gerais suspende a eficácia da lei estadual, no que lhe for contrário.

Nesse conflito entre lei estadual e lei federal o STF tem entendido que é uma questão de inconstitucionalidade meramente reflexa, não sendo combatidas com ADIn.

Uma matéria que tem gerado diversas controvérsias é a matéria ambiental, que é uma competência concorrente.
Na RP1153 (pré-88), o STF entendeu que quem conceitua o caráter de norma geral é o próprio legislador federal: se a norma está prevista em lei federal, é porque a norma é geral. A legislação suplementar dos Estados só poderia atuar no vazio da legislação federal. Essa tese acaba preconizando a supremacia da lei federal sobre a lei estadual em matéria de competência concorrente. Também revela a tendência fortemente centralizadora do Supremo.
Essa visão é muito criticável, pois é contrária à lógica da federação, já que não há hierarquia entre os entes federativos.

Outros casos em que o STF voltou a discutir a questão foi no caso do amianto.
Há a lei 9055\95 que veda o uso e a comercialização de diversos tipos de amianto, mas autoriza o uso e a comercialização do amianto branco (que é o mais produzido no Brasil).
Só que o Brasil é signatário de uma Convenção da OIT (162) que reconhece a nocividade do amianto para os trabalhadores que manejam essa substância e prevê a progressiva proibição do uso dessas substancias para os países signatários.
A OMC também autoriza que os países membros bloqueiem a importação de amianto com base em razoes de saúde publica.
Um determinado município (Minasul) é o grande produtor de amianto no país, o que faz com que o Estado de Goiás seja a favor.
No entanto, surgiram diversas leis de outros Estados proibindo a comercialização do amianto em seus territórios. Na ADIn 2396\9 questionou-se uma lei do Mato Grosso do Sul, em que o STF adotou o seu entendimento hoje tradicional.
É uma matéria de competência concorrente, e como se trata de norma geral, compete â Uniao editar norma geral.
No caso de uma lei de SP, foi proposta a ADIn 2656\9, e a lógica do supremo foi a mesma.

Porém, em 2008 o Estado de SP editou uma nova norma com a proibição, e o STF, em medida cautelar, decidiu por indeferir a cautelar, avançando sobre aspectos de mérito. Joaquim Barbosa reconheceu que o Brasil é signatário da Convenção que reconhece a nocividade do amianto e disse que há uma contradição em autorizar a sua comercialização. Um segundo fundamento foi o uso do princípio da proporcionalidade, como dever de proteção suficiente (vedação à proteção insuficiente, que gera deveres positivos ao poder público, tanto em um plano normativo que proteja direitos fundamentais, quanto o dever de agir em um plano administrativo, que é o de implementar políticas publicas que protejam direitos fundamentais). O Estado teria o dever de proteger de forma adequada o meio ambiente e a saúde, e a autorização da comercialização dessa substância seria uma violação a esse dever.