De quais
critérios o constituinte se valeu para realizar a divisão de competências entre
os entes federativos?
O critério
básico foi o princípio da predominância dos interesses.
Quando a
matéria é de interesse nacional, a competência é dada pra União; quando é de
interesse regional, é dada pro estado; quando é de interesse local, a
competência é do município.
Como que o
STF afere esse critério?
Através do
impacto territorial daquela norma.
Se o
impacto for interestadual, considera-se que há um interesse nacional.
Se o
impacto for intermunicipal, considera-se que há interesse estadual.
Se for
intramunicipal, considera-se que há interesse municipal.
São
frequentes as hipóteses tanto de conflitos positivos quanto de conflitos
negativos, de maneira que esses critérios servem para resolver essas situações
de definição.
Outro critério
importante é a chamada teoria dos poderes implícitos.
Quando a
constituição deu uma competência explícita para um ente, considera-se que
implicitamente ela deu também competência para adotar os meios necessários para
realização desse fim.
Essa teoria
foi fundamental para a centralização das competências legislativas dos Estados
Unidos, uma vez que a constituição de 1787 dava pouquíssimas competências para
a União.
Há
precedentes no STF utilizando essa teoria no Brasil.
O terceiro
critério que vem ganhando importância é o chamado princípio da subsidiariedade.
Esse é o
critério básico para a distribuição de competências na União Europeia.
O
princípio da subsidiariedade reforça a competência dos entes menores, pois diz
que uma competência só deve ser transferida a um ente maior se o ente menor não
tiver condições de bem exercê-la.
Também não
é um princípio estranho ao direito brasileiro. Em áreas onde o legislador quis
priorizar a descentralização, utilizou-se de uma lógica típica de subsidiariedade.
É o caso por exemplo da lei do SUS.
1)
Competências legislativas x Competências administrativas:
As
competências administrativas são as competências para o desempenho de
atividades administrativas (Ex: prestação de serviços públicos), enquanto que a
competência legislativa é a competência para editar normas jurídicas.
2)
Competências privativas ou exclusivas X Competências comuns ou
concorrentes:
As
competências privativas seguem a lógica do federalismo dual (se se deu a um
ente, tirou do outro).
As
competências comuns ou concorrentes seguem a lógica do constitucionalismo
social, que é a soma de esforços para lograr um objetivo comum.
Todas
essas competências foram previstas na Constituição de 1988.
O artigo
21 traz as competências administrativas da União.
Essas
competências são administrativas e exclusivas. Tendo sido concedidas à União,
não foram concedidas aos demais.
O artigo
22 trata das competências privativas legislativas da União.
No art. 22,
porém, há a previsão de delegação de competências legislativas da União,
enquanto que o artigo 21 não prevê a delegação de competências administrativas.
Por isso,
durante muito tempo sustentou-se que as competências administrativas seriam
exclusivas e indelegáveis.
No
entanto, essa tese tem sido superada. São frequentes convênios em que a
execução (é verdade que não a titularidade) é transferida da União a Estados e
Municípios, sob a supervisão da União.
O fato de
não haver previsão explícita no artigo 21 não é óbice a que sejam celebrados
convênios com vistas à transferência da execução a Estados e municípios, desde
que se transfira apenas a execução, e não a titularidade.
Em relação
ao artigo 22, o parágrafo único prevê expressamente a possibilidade de
delegação das competências legislativas privativas.
Quais os
requisitos para essa delegação?
-
Requisito formal: lei complementar
-
Requisito material: é um requisito que se coloca a qualquer espécie de
delegação; delegação não se confunde com renúncia ou abdicação, que são
inconstitucionais. O ente não pode abrir mão de sua competência. Para a
validade da delegação, é preciso que haja a definição clara do objeto da
matéria delegada. Uma delegação genérica, em branco, não é verdadeiramente uma
delegação, mas sim uma renúncia, que é inconstitucional.
-
Alexandre de Moraes defende que há um requisito implícito, que é a
impossibilidade da União delegar a uns Estados e não a outros, observando-se o
artigo 19 da CRFB, que veda que a União estabeleça preferências entre os
Estados. Fernanda Dias Menezes tem uma outra tese, dizendo que o fato da Uniao
delegar a uns Estados e não a outros não é garantia inequívoca de que se está
estabelecendo preferências entre os Estados. O que é fundamental é que essa
distinção observe o princípio da proporcionalidade. Se a delegação se
justifica, por exemplo, por uma seca no Nordeste, é constitucional a delegação
apenas para os Estados envolvidos.
Competências dos Estados:
Em relação
aos Estados, as suas competências estão previstas no artigo 25.
A fórmula
básica de competência dos Estados está no §1º.
É a
chamada competência remanescente ou residual dos Estados. O que não foi
dado nem à União e nem aos municípios, é de competência do Estado.
Aplica-se
tanto às competências legislativas quanto às competências administrativas.
É uma
competência privativa: aquilo que sobrou é só do Estado. Se os outros entes
legislarem, estarão invadindo a competência dos Estados.
Art. 25. Os Estados
organizam-se e regem-se pelas Constituições e leis que adotarem, observados os
princípios desta Constituição.
§ 1º - São reservadas aos
Estados as competências que não lhes sejam vedadas por esta Constituição.
§ 2º - Cabe aos Estados
explorar diretamente, ou mediante concessão, os serviços locais de gás
canalizado, na forma da lei, vedada a edição de medida provisória para a sua
regulamentação.
§ 3º - Os Estados poderão,
mediante lei complementar, instituir regiões metropolitanas, aglomerações
urbanas e microrregiões, constituídas por agrupamentos de municípios
limítrofes, para integrar a organização, o planejamento e a execução de funções
públicas de interesse comum.
No
entanto, é preciso interpretar essas competências de acordo com a teoria dos
poderes implícitos. Competências meio para a União e para os municípios não são
competências dos Estados.
Ex:
competência para legislar sobre direito administrativo (não prevista) -> é
uma condição necessária para o exercício pleno da autoadministração, é um poder
implícito da União e dos municípios.
O §2º traz
uma competência expressa para o Estado, que é a exploração do serviço de gás
canalizado.
Uma
competência legislativa também enumerada concedida excepcionalmente ao Estado é
a do §3º, que á competência do Estado para instituir regiões metropolitanas,
aglomerações urbanas e microrregiões.
Competências dos municípios:
As
competências dos municípios estão previstas no artigo 30, que congrega tanto
competências administrativas quanto legislativas, ambas privativas e expressas.
Os incisos
I e III, primeira parte, trazem competências legislativas privativas.
Os incisos
III, segunda parte e seguintes estabelecem competências administrativas
exclusivas.
Art. 30. Compete aos Municípios:
I - legislar sobre assuntos de interesse local; assuntos intramunicipais
II - suplementar a legislação federal e a estadual no que couber;
III - instituir e arrecadar os tributos de sua competência, bem como
aplicar suas rendas, sem prejuízo da obrigatoriedade de prestar contas e
publicar balancetes nos prazos fixados em lei;
IV - criar, organizar e suprimir distritos, observada a legislação
estadual;
V - organizar e prestar, diretamente ou sob regime de concessão ou
permissão, os serviços públicos de interesse local, incluído o de transporte
coletivo, que tem caráter essencial;
VI - manter, com a cooperação técnica e financeira da União e do Estado,
programas de educação infantil e de ensino fundamental; (Redação dada pela
Emenda Constitucional nº 53, de 2006)
VII - prestar, com a cooperação técnica e financeira da União e do
Estado, serviços de atendimento à saúde da população;
VIII - promover, no que couber, adequado ordenamento territorial,
mediante planejamento e controle do uso, do parcelamento e da ocupação do solo
urbano;
IX - promover a proteção do patrimônio histórico-cultural local,
observada a legislação e a ação fiscalizadora federal e estadual.
Competências do Distrito Federal:
O Distrito
Federal está previsto no artigo 32, e no §1º se prevê que o DF exercerá
competências legislativas reservadas a Estados e Municípios.
Um detalhe
importante sobre o DF é a organização das polícias, previstas no §4º do artigo
32.
É uma
competência dos Estados que é concedida à União, e não ao próprio DF.
§ 4º - Lei federal disporá sobre a utilização, pelo Governo do
Distrito Federal, das polícias civil e militar e do corpo de bombeiros militar.
Há ainda a
importante competência do presidente da república para deflagrar o processo
legislativo que organiza o MP no DF. O que seria uma competência dos Estados,
no plano do DF será disciplinada por lei federal de iniciativa do presidente da
república. Isso está no artigo 61, §1º, “d”.
Portanto,
polícia, MP e tribunal de justiça, que seriam organizados por leis estaduais,
no caso do DF são organizados por leis federais.
Mas a
defensoria do DF não! Ela será organizada pelo próprio DF.
Competências comuns:
As
competências comuns estão no artigo 23 e têm caráter administrativo.
Se é
comum, como que isso se organiza na prática?
A solução
pra isso está no parágrafo único, que diz que há uma reserva de lei
complementar para disciplinar os critérios que devem pautar a prestação desses
serviços públicos de competência comum, com o objetivo de otimizar o empreso de
recursos.
Parágrafo único. Leis complementares fixarão normas para a cooperação
entre a União e os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, tendo em vista
o equilíbrio do desenvolvimento e do bem-estar em âmbito nacional
Competências concorrentes:
O artigo
24 trata das competências concorrentes, que têm natureza legislativa.
Não houve
inclusão expressa dos municípios no caput, mas é preciso combinar com o artigo
30, II.
Art. 30. Compete aos Municípios:
I - legislar sobre assuntos de interesse local;
II - suplementar a legislação federal e a estadual no que couber;
Portanto,
os municípios tem sim competência legislativa concorrente.
O artigo
24 traz, em seus parágrafos, os critérios:
- Compete
à União apenas a edição de normas gerais sobre essas matérias. No entanto, se a
Uniao editar uma lei com normas específicas, isso não quer dizer que essa lei
será inconstitucional; apenas entende-se que essas normas não vinculam Estados
e Municípios.
- Há uma
competência suplementar ou complementar dos Estados, que é a competência para
editarem normas específicas que complementem as normas gerais de União.
- Há
também a competência supletiva, quando a União se mantém inerte na edição de
normas gerais, possibilitando que o Estado edite não só as normas específicas,
mas também as normas gerais, que valerão para aquele estado. Com a
superveniência de lei federal, as normas gerais suspenderão a eficácia
das normas gerais estaduais. Caso essa lei federal que suspendeu a eficácia
venha a ser revogada, as normas gerais estaduais voltam a viger normalmente.
§ 1º - No âmbito da legislação concorrente, a competência da União
limitar-se-á a estabelecer normas gerais.
§ 2º - A competência da União
para legislar sobre normas gerais não exclui a competência suplementar dos
Estados.
§ 3º - Inexistindo lei federal sobre normas gerais, os Estados exercerão
a competência legislativa plena, para atender a suas peculiaridades.
§ 4º - A superveniência de lei federal sobre normas gerais suspende a
eficácia da lei estadual, no que lhe for contrário.
Nesse
conflito entre lei estadual e lei federal o STF tem entendido que é uma questão
de inconstitucionalidade meramente reflexa, não sendo combatidas com ADIn.
Uma
matéria que tem gerado diversas controvérsias é a matéria ambiental, que é uma competência
concorrente.
Na RP1153
(pré-88), o STF entendeu que quem conceitua o caráter de norma geral é o
próprio legislador federal: se a norma está prevista em lei federal, é porque a
norma é geral. A legislação suplementar dos Estados só poderia atuar no vazio
da legislação federal. Essa tese acaba preconizando a supremacia da lei federal
sobre a lei estadual em matéria de competência concorrente. Também revela a
tendência fortemente centralizadora do Supremo.
Essa visão
é muito criticável, pois é contrária à lógica da federação, já que não há
hierarquia entre os entes federativos.
Outros
casos em que o STF voltou a discutir a questão foi no caso do amianto.
Há a lei
9055\95 que veda o uso e a comercialização de diversos tipos de amianto, mas
autoriza o uso e a comercialização do amianto branco (que é o mais produzido no
Brasil).
Só que o
Brasil é signatário de uma Convenção da OIT (162) que reconhece a nocividade do
amianto para os trabalhadores que manejam essa substância e prevê a progressiva
proibição do uso dessas substancias para os países signatários.
A OMC também
autoriza que os países membros bloqueiem a importação de amianto com base em
razoes de saúde publica.
Um
determinado município (Minasul) é o grande produtor de amianto no país, o que
faz com que o Estado de Goiás seja a favor.
No
entanto, surgiram diversas leis de outros Estados proibindo a comercialização
do amianto em seus territórios. Na ADIn 2396\9 questionou-se uma lei do Mato
Grosso do Sul, em que o STF adotou o seu entendimento hoje tradicional.
É uma
matéria de competência concorrente, e como se trata de norma geral, compete â
Uniao editar norma geral.
No caso de
uma lei de SP, foi proposta a ADIn 2656\9, e a lógica do supremo foi a mesma.
Porém, em
2008 o Estado de SP editou uma nova norma com a proibição, e o STF, em medida
cautelar, decidiu por indeferir a cautelar, avançando sobre aspectos de mérito.
Joaquim Barbosa reconheceu que o Brasil é signatário da Convenção que reconhece
a nocividade do amianto e disse que há uma contradição em autorizar a sua
comercialização. Um segundo fundamento foi o uso do princípio da
proporcionalidade, como dever de proteção suficiente (vedação à proteção
insuficiente, que gera deveres positivos ao poder público, tanto em um plano
normativo que proteja direitos fundamentais, quanto o dever de agir em um plano
administrativo, que é o de implementar políticas publicas que protejam direitos
fundamentais). O Estado teria o dever de proteger de forma adequada o meio
ambiente e a saúde, e a autorização da comercialização dessa substância seria uma
violação a esse dever.