sábado, 8 de março de 2014

Jurisdição: conceito e características

O direito processual tem por objetivo proteger o direito material quando este é lesado ou ameaçado de lesão.

Se todo mundo respeitasse o direito material de todo mundo, não existiria a necessidade de processo.

Ex: direito material de crédito que não é respeitado à o devedor permanece em mora e o credor precisa se servir do direito processual. Ele tem o direito de ir ao judiciário buscar uma prestação para a solução do seu direito violado.

Esse direito de ir ao judiciário buscar a proteção para um direito material, que todos nós temos, é o chamado direito de AÇÃO.

Uma vez provocado, o Estado juiz precisa responder a essa ação. E essa resposta se dará através da atividade de JURISDIÇÃO. E ainda é preciso um meio para levar essa ação ao juiz e trazer a jurisdição como resposta, que é o PROCESSO.

Esses 3 elementos, combinados, conseguem dar proteção ao direito material.

Portanto, o objeto de estudo do direito processual civil são esses 3 elementos: jurisdição, ação e processo.

Conceito de Jurisdição:

1 - Segundo Giuseppee Chiovenda, é a função do Estado que tem por finalidade fazer atuar a vontade concreta da lei.

Significa aplicar a lei (abstrata) ao caso concreto.

2 – Segundo Francesco Carnelutti, é a função do Estado que tem por objetivo alcançar a justa composição da lide.

Para Carnelutti o objetivo é compor lides.

São 2 conceitos fundamentais, que servem de ponto de partida para todos os autores brasileiros.

Alguns autores (Humberto Theodoro Jr) diz que esses conceitos são complementares.
Jurisdição seria a função do Estado de fazer atuar a vontade da lei no intuito de compor as lides.

Segundo a teoria geral do direito, tem-se duas grandes teorias sobre a ciência jurídica:
1 – Teoria unitária ou constitutiva (Kelsen): as leis não criam direitos, mas somente a sentença.
2 – Teoria dualista ou declaratória (Dinamarco): as leis criam direitos, e a sentença tem por objetivo declarar a existência desse direito. Ela extrai da lei o conceito abstrato para aplicar ao caso concreto.

Esses conceitos de teoria geral do direito são importantes para tentar explicar o conceito de jurisdição.
Para o conceito de Chiovenda, a lei cria direitos e a sentença apenas declara a existência desses direitos.
Para o conceito de Carnelutti, a lei não cria direitos, pois quando o juiz resolve a lide ele está impondo ou criando direito para o autor ou para o réu.

Para Chiovenda, a jurisdição adota a teoria dualista do direito.
Para Carnelutti, a jurisdição adota a teoria unitária do direito.

Portanto, como um adota a teoria unitária e outro a teoria dualista, e essas teorias são antagônicas, os conceitos de jurisdição não seriam complementares, mas também antagônicos.

Portanto, o conceito de jurisdição só pode ser um deles.
Ou ela tem por objetivo solucionar a lide ou aplicar a lei ao caso concreto.

Alexandre Câmara diz que o conceito de Chiovenda seria melhor, pois nem sempre haverá a lide (Ex: divórcio consensual), mas o juiz sempre irá aplicar a lei ao caso concreto.

Portanto, jurisdição seria a função do Estado-juiz que tem por finalidade fazer atuar a vontade concreta da lei, aplicando-a ao caso concreto.

Equivalentes jurisdicionais:

O acesso à justiça não significa acesso unicamente ao judiciário, mas sim ao fim, obter a solução do caso concreto. Significa a proteção a um direito material ameaçado ou lesado.

O poder judiciário é apenas um dos meios de se chegar até a justiça, mas também existem outras formas paralelas que tentam proteger o direito material.

São os chamados equivalentes jurisdicionais, que ao lado do exercício da jurisdição, irão tentar proteger um direito material.

1)      Autotutela:

É o sacrifício integral do interesse de uma parte pelo uso da FORÇA pela parte vencedora.

O Estado não pode estar presente em todos os lugares ao mesmo tempo. Ele não é onipresente.
Por vezes, então, é preciso se valer da autotutela.

No entanto, a autotutela é excepcional. Em regra ela é vedada.
Somente por expressa previsão legal ela poderá ser exercida.

A autotutela sem autorização legal é crime: exercício arbitrário das próprias razões (art 345 e 346 do Código Penal).

Exemplos de autotutela:
- Legítima defesa (art 188, I do CC)
- Apreensão do bem com penhor legal (art 1467, I do CC): ocorre quando o dono de hotel retém os bens do hóspede quando ele se recusa a pagar a conta.
- Desforço imediato no esbulho da posse (art 1210 do CC).


2)      Autocomposição:

Ocorre na hipótese em que as partes vão tentar solucionar o seu conflito de interesses, sem o uso da força.

As partes tentam solucionar o conflito pelo uso da palavra, através de conversas, negociações etc.

Na autocomposição as partes fazem uma transação: cada um cede o pouco do seu direito para chegar a um acordo e compor o conflito. É um sacrifício integral ou parcial do interesse das partes mediante a vontade unilateral ou bilateral das partes.

Conciliação X Transação:
Conciliação é sinônimo de composição, mas são diferentes de transação.
Conciliação ocorre quando há um sacrifício unilateral ou bilateral. O sacrifício bilateral chama-se transação, e quando o sacrifício é unilateral, chama-se RENÚNCIA (quando é o autor) ou SUBMISSÃO (quando é o réu).

3)      Arbitragem:

É uma forma de solução de conflitos através da qual os interessados nomeiam uma terceira pessoa (árbitro) para a solução de seus conflitos.

A autotutela resolve o conflito pelo uso da força.
A autocomposição resolve o conflito pelo uso da palavra.
Na arbitragem, há uma terceira pessoa eleita pelo credor ou devedor para solucionar o seu conflito de interesses.

A arbitragem é exercida no juízo arbitral, que NÃO INTEGRA O JUDICIÁRIO.
Portanto, ela não pode ser chamada de jurisdição privada, embora alguns autores como Didier e Carlos Alberto Carmona sustentem que sim (com fundamento no artigo 475-N, IV que diz qye a sentença arbitral é título judicial, atributo que só é característica da sentença).
Todos os demais autores sustentam que a jurisdição é privativa do poder judiciário. Ela só pode ser exercida pelo Estado-juiz. A arbitragem apenas se assemelha à jurisdição, ela é um equivalente  jurisdicional.

Características da Jurisdição:

Nem toda atividade exericida pelo judiciário é jurisdição (Ex: elaborar os concursos públicos). A atividade jurisdicional possui algumas características:

-> Inércia da Jurisdição (art 2º):

Nenhum juiz prestará a tutela jurisdicional senão quando provocado pela parte. O juiz não pode exercer a jurisdição, a não ser quando ele é provocado. Em regra, o processo civil ´só pode começar por provocação da parte.

A jurisdição só é inerte até determinado momento.
A partir da provocação do autor, o processo se desenvolve por impulso oficial.
A extensão da inércia limita-se à movimentação inicial.
É a previsão do artigo 262 do CPC.

Exceções à inércia da jurisdição:
- Artigo 989 CPC: a ação de inventário pode ser iniciada de ofício pelo juiz.
- Artigo 1113 CPC: a ação de alienação judicial de bens também pode ser iniciada de ofício pelo juiz.

Existe também uma fase do processo que só pode ser iniciada por provocação, que é a fase do cumprimento de sentença (artigo 475-J CPC). É necessário o requerimento do credor.

A regra da correlação decorre da inércia da jurisdição. O juiz deve proferir a sentença nos limites da inicial.

Se, por exemplo, a sentença está viciada por ser ultra petita (pede 100 mil e dá 120 mil), os 20 mil a mais violam a inércia da jurisdição, pois o juiz não foi acionado para aquilo.

-> Substitutividade:

O Estado se substitui à atuação do particular e atrai para si a tutela dos direitos desses particulares. O Estado substitui-se à vontade das partes na solução das lides.
  
Ex: execução indireta
Na execução direta o Estado proporciona o pagamento do credor contra a vontade do devedor. Na execução indireta não, o Estado se vale de meios coercitivos para forçar o devedor a pagar (Ex: prisão civil e astreintes).

-> Definitividade:

As decisões judiciais, após um período de tempo, tornam-se imutáveis e não podem mais ser discutidas.

Isso irá ocorrer com o trânsito em julgado da decisão.
OBS: A ação rescisória é cabível contra decisões que já são definitivas, que já transitarem em julgado.

Exceções: existem hipóteses em que a decisão é proferida e não há definitividade.
Ex: ação de alimentos -> quando ela transita em julgado, ainda assim não se torna imutável, porque o conteúdo poderá sempre ser discutido, basta que se alterem os binômios “necessidade de quem pede” e “´possibilidade de quem paga”, como por exemplo através de ação de majoração ou exoneração de alimentos. A sentença de alimentos é dotada de uma cláusula famosa chamada de “rebus sic stantibus”, comumente chamada de teoria da imprevisão.
Ex2: sentenças de regulamentação de visitas, sentenças de separação etc

Alexandre Câmara também fala da questão da sentença cautelar. Ela também não tem defintividade, ela não faz coisa julgada, mas por outro motivo, e não pela clausula “rebus sic stantibus”, como nos exemplos anteriores. Quando o juiz profere uma sentença cautelar ele só precisa de fumus boni iuris e periculum in mora. Não há uma cognição exauriente, e sim cognição sumária. A sentença cautelar é proferida com base em mero juízo de probabilidade.
Outro exemplo é a tutela antecipada, que também é uma decisão concedida com mero juízo de probabilidade (prova inequívoca de verossimilhança das alegações).

-> Presença da lide:

Lide é a pretensão resistida qualificada por um conflito de interesses.

A lide não é característica essencial da jurisdição porque o juiz não resolve a lide, mas o pedido do autor. O juiz julga o pedido que lhe é formulado, mas a lide vai continuar existindo, porque alguém vai sair insatisfeito.

A solução da lide é mera consequência acidental da solução do pedido.
Ex: denunciação da lide -> o correto seria falar em denunciação da ação
Ex2: julgamento antecipado da lide -> o julgamento antecipado é do PEDIDO.

A lide não é elemento essencial da jurisdição, mas sim acidental.

Ex: divórcio consensual -> o juiz exerce jurisdição, mas não há lide.
Outros exemplos: autofalência ou pedido de alteração do nome,

Não é só na jurisdição voluntária que não tem lide.
Pode sim ter jurisdição voluntária sem lide.

Ex: ação proposta pelo autor em face do réu pleiteando 1 milhão de reais e o réu, no prazo da resposta, peticiona dizendo que deve mesmo. O juiz então irá homologar o reconhecimento da procedência do pedido. Não há pretensão resistida e portanto não há lide, mas a jurisdição é por natureza contenciosa.