domingo, 23 de fevereiro de 2014

Estabelecimento, Ponto Empresarial e Trespasse

Artigos 1142 a 1149 do CC

Estabelecimento empresarial não é o mesmo que empresa ou que ponto empresarial.
Estabelecimento empresarial é o complexo de bens corpóreos e incorpóreos (materiais ou abstratos) que são organizados pelo empresário individual, pela sociedade empresária ou pela EIRELI, para o desenvolvimento de suas atividades.

O estabelecimento empresarial é formado não só pelo conjunto de bens corpóreos, tangíveis, mas também por outros bens intangíveis, como a marca e o nome empresarial.

Uma vez que esses bens são transformados em um conjunto, formam um todo unitário chamado de estabelecimento empresarial.

O estabelecimento empresarial é tratado como uma universalidade de fato, pois é uma pluralidade de bens sigulares que, pertinentes à mesma pessoa, tem destinação unitária.

Esse estabelecimento empresarial pode ser objeto de negócios jurídicos, tanto translativos (que implica na transferência da propriedade; Ex: doação, dação em pagamento, alienação) quanto constitutivos (que não implicam na transferência da propriedade; Ex: arrendamento mercantil, locação, usufruto), desde que compatíveis com a natureza do estabelecimento empresarial.

O estabelecimento empresarial pode, por exemplo, ser objeto de usufruto e penhora.

STJ Súmula nº 451
É legítima a penhora da sede do estabelecimento comercial.

Trespasse:

A alienação do estabelecimento empresarial é doutrinariamente conhecida como TRESPASSE.
São partes do trespasse o trespassante (o que aliena) e o trespassatário (aquele que adquire).

O artigo 1145 traz algumas condições de eficácia para essa alienação:
- Pagar todos os credores antes da alienação.
- Mantiver patrimônio suficiente para pagá-los.
- Obter autorização unanime dos credores. Essa autorização pode ser expressa ou tácita. Se notifica os credores, e ninguém se manifesta contrariamente em 30 dias, considera-se tacitamente aprovada a alienação do estabelecimento empresarial.

Para que a alienação do estabelecimento se produza de forma válida, o pretenso alienante deverá ou manter patrimônio suficiente para fazer frente a seu passivo junto aos credores.
Ou então o alienante deve pagar todos os seus credores antes de fazer o trespasse, ou então obter autorização expressa e unânime de todos os seus credores.
Se nenhuma dessas condições de eficácia estiverem presentes no caso concreto, o alienante praticou um ato de falência (ato que gera no credor o direito de pedir a decretação de falência do seu devedor). O credor poderá propor uma inicial de falência com base no artigo 94, III da Lei de Falência.

O trespasse, em desacordo com o artigo 1145, é um negócio ineficaz.
É o que diz o artigo 129 da Lei de Falências.

Art. 1.145. Se ao alienante não restarem bens suficientes para solver o seu passivo, a eficácia da alienação do estabelecimento depende do pagamento de todos os credores, ou do consentimento destes, de modo expresso ou tácito, em trinta dias a partir de sua notificação.

O contrato de trespasse deve ser levado a registro na Junta Comercial, e uma vez registrado irá adquirir eficácia erga omnes.

-> Proibição de concorrência no trespasse:
É vedado ao alienante reestabelecer-se em atividade idêntica e similar e na mesma praça para fazer concorrência ao trespassatário pelo período de cinco anos.
As partes no trespasse tem liberdade para dispor em sentido contrário. Só que se o contrato de trespasse não disser nada, vale a regra do Código Civil.
Se o novo negócio interferir, ainda que minimamente, no faturamento do negócio alienado, há violação à regra do CC.
Se o alienante abrir um negócio em outro ramo ou em outra praça, não viola a regra. Se fosse inserida uma clausula proibindo o reestabelecimento em qualquer atividade, seria uma cláusula abusiva, pois violaria a livre iniciativa.
A noção de praça não é estanque, depende do caso concreto.

Art. 1.147. Não havendo autorização expressa, o alienante do estabelecimento não pode fazer concorrência ao adquirente, nos cinco anos subseqüentes à transferência.
Parágrafo único. No caso de arrendamento ou usufruto do estabelecimento, a proibição prevista neste artigo persistirá durante o prazo do contrato.

-> Sub-rogação automática:
O adquirente do estabelecimento empresarial, como regra, sub-roga-se nos contratos estipulados pelo alienante para o exercício da atividade.
Existem algumas exceções, como nos contratos personalíssimos (Ex: contrato do alienante com um advogado).
As partes também podem dispor em sentido contrário ao da regra geral.

Art. 1.148. Salvo disposição em contrário, a transferência importa a sub-rogação do adquirente nos contratos estipulados para exploração do estabelecimento, se não tiverem caráter pessoal, podendo os terceiros rescindir o contrato em noventa dias a contar da publicação da transferência, se ocorrer justa causa, ressalvada, neste caso, a responsabilidade do alienante.

O artigo 1146 diz que o adquirente do estabelecimento empresarial responde pelas dividas do alienante vinculadas àquele estabelecimento, desde que contabilizadas.
Ex: o pretenso alienante pode buscar a junta comercial para pedir uma certidão de inteiro teor para saber da situação contábil do estabelecimento. Lá descobre uma dívida de 200 mil reais, mas resolve assumi-la, e faz o trespasse. Só que depois aparecem vários outros credores, cobrando uma dívida total de 500 mil. Essas dívidas não foram levadas à junta comercial, não foram dívidas contabilizadas, e portanto não podem ser colocadas na conta do adquirente. Quem irá responder por essas dividas não contabilizadas será o alienante.

Portanto, é errado dizer que , com o trespasse, o alienante não tem mais qualquer obrigação.

O alienante responderá solidariamente com adquirente pelos negócios anteriores ao trespasse pelo período de 1 ano, a contar:
1- da publicação do trespasse em relação aos negócios vencidos.
2 – do efetivo vencimento do negócio, em relação aos negócios viscendos.

Após esse período, a responsabilidade será apenas do adquirente.

Em relação aos negócios formalizados após o trespasse, a responsabilidade será exclusiva do adquirente.

Art. 1.146. O adquirente do estabelecimento responde pelo pagamento dos débitos anteriores à transferência, desde que regularmente contabilizados, continuando o devedor primitivo solidariamente obrigado pelo prazo de um ano, a partir, quanto aos créditos vencidos, da publicação, e, quanto aos outros, da data do vencimento.

Art. 1.149. A cessão dos créditos referentes ao estabelecimento transferido produzirá efeito em relação aos respectivos devedores, desde o momento da publicação da transferência, mas o devedor ficará exonerado se de boa-fé pagar ao cedente.

Ponto empresarial:

É um dos elementos essenciais do estabelecimento empresarial.
É o local onde a atividade empresária é exercida.

A proibição de concorrência no trespasse é uma das formas de proteção do ponto empresarial dada pelo legislador,

Clientela # freguesia
Freguês é uma espécie de cliente em potencial. É quando a comunidade reconhece a oferta de um determinado produto em um determinado local.

O legislador, ao proteger o ponto empresarial, está protegendo também a freguesia, que é uma das vantagens de mercado.

A proteção conferida ao ponto empresarial subsiste inclusive se a atividade se desenvolver em imóvel alugado.

Direito de inerência ao ponto X Direito de propriedade

O legislador, através da Lei do Inquilinato, para resolver esse impasse, permitiu a propositura da AÇAO RENOVATÓRIA, que é um instrumento de qual dispõe o locatário para compelir o locador a renovar o contrato de locação, de forma a garantir seu direito de inerência ao ponto.

Para que essa renovatória prospere, é necessário que o locatário cumpra os requisitos da lei:
- O contrato que se busca renovar deve ser um contrato escrito e com prazo determinado.
- O prazo mínimo desse contrato ou o somatório de seus prazos ininterruptos deve ser de 5 anos (Ex: 2 + 2 + 2 = 6 anos => cumpriu o requisito, dando ensejo à “accessio temporis”, ou seja, a possibilidade de somatario dos prazos de renovações ininterruptas para propor a ação renovatória). O legislador entendeu que é necessário um período mínimo para fragilizar o direito de propriedade do locador. Antes dos 5 anos, há uma presunção de não ter se formado uma vantagem de mercado que justifique a concessão da ação renovatória.
- O locatário deverá estar atuando no mesmo ramo de atividade pelo prazo mínimo e ininterrupto de 3 anos.

OBS: Esses 3 requisitos devem ser atendidos de forma cumulativa para que o empresário tenha atendido o seu direito de renovação.

OBS: Se houve pequeno intervalo que não descaracterizou a relação locatícia, esses serão desconsiderados, não comprometendo a possibilidade do locatário ver acolhida a sua renovatória.

Artigos importantes: artigos 51, 52, 71 e 72 da Lei do Inquilinato.

Art. 51. Nas locações de imóveis destinados ao comércio, o locatário terá direito a renovação do contrato, por igual prazo, desde que, cumulativamente:

        I - o contrato a renovar tenha sido celebrado por escrito e com prazo determinado;
        II - o prazo mínimo do contrato a renovar ou a soma dos prazos ininterruptos dos contratos escritos seja de cinco anos;
        III - o locatário esteja explorando seu comércio, no mesmo ramo, pelo prazo mínimo e ininterrupto de três anos.
        § 1º O direito assegurado neste artigo poderá ser exercido pelos cessionários ou sucessores da locação; no caso de sublocação total do imóvel, o direito a renovação somente poderá ser exercido pelo sublocatário.
       § 2º Quando o contrato autorizar que o locatário utilize o imóvel para as atividades de sociedade de que faça parte e que a esta passe a pertencer o fundo de comércio, o direito a renovação poderá ser exercido pelo locatário ou pela sociedade.
       § 3º Dissolvida a sociedade comercial por morte de um dos sócios, o sócio sobrevivente fica sub - rogado no direito a renovação, desde que continue no mesmo ramo.
       § 4º O direito a renovação do contrato estende - se às locações celebradas por indústrias e sociedades civis com fim lucrativo, regularmente constituídas, desde que ocorrentes os pressupostos previstos neste artigo.
       § 5º Do direito a renovação decai aquele que não propuser a ação no interregno de um ano, no máximo, até seis meses, no mínimo, anteriores à data da finalização do prazo do contrato em vigor.

A lei diz que deverá o locatário apresentar a ação renovatória no intervalo de 1 ano no máximo, a 6 meses no mínino, do final do contrato.
Quando faltar um ano pra terminar o contrato de locação, inicia-se o prazo para o locatário propor a ação renovatória. Quando faltarem 6 meses pro término do contrato, termina o prazo pra renovatória.
Esse prazo é um prazo decadencial, que implica na perda do próprio direito. Não se suspende, não se interrompe.

Súmula 482 do STF:
O locatário, que não for sucessor ou cessionário do que o precedeu na locação, não pode somar os prazos concedidos a este, para pedir a renovação do contrato, nos termos do decreto 24.150.

Aquele que sucedeu na locação, pode somar os prazos pra ter o direito à renovatória.

Exceções de retomada:

Se, de um lado, é uma preocupação do legislador garantir ao locatário o direito de inerência ao ponto, por outro lado, não se pode ignorar que o locador exerce o seu direito de propriedade.

Portanto, em sede de defesa, na contestação da renovatória, o locador pode contraargumentar de várias formas:
- O valor que o locatário se propõe a pagar é um valor inferior ao valor de mercado naquela região para imóveis daquele gênero.
- O locador pretende usar o imóvel por ele mesmo, ou destiná-lo a um parente, para fins econômicos ou não (Ex: a esposa abrir uma empresa no local; mas o legislador coloca que o cônjuge deve exercer empresa há pelo menos um ano, detendo a maioria do capital social).
- Se, por determinação do poder publico, o locador tiver que promover reformas no imóvel que impliquem em sua radical transformação.

Os artigos 52 e 72 da Lei 8245 trazem as matérias que podem ser alegadas em defesa.

Art. 52. O locador não estará obrigado a renovar o contrato se:

        I - por determinação do Poder Público, tiver que realizar no imóvel obras que importarem na sua radical transformação; ou para fazer modificações de tal natureza que aumente o valor do negócio ou da propriedade;
        II - o imóvel vier a ser utilizado por ele próprio ou para transferência de fundo de comércio existente há mais de um ano, sendo detentor da maioria do capital o locador, seu cônjuge, ascendente ou descendente.
        1º Na hipótese do inciso II, o imóvel não poderá ser destinado ao uso do mesmo ramo do locatário, salvo se a locação também envolvia o fundo de comércio, com as instalações e pertences.
        2º Nas locações de espaço em shopping centers , o locador não poderá recusar a renovação do contrato com fundamento no inciso II deste artigo.
        3º O locatário terá direito a indenização para ressarcimento dos prejuízos e dos lucros cessantes que tiver que arcar com mudança, perda do lugar e desvalorização do fundo de comércio, se a renovação não ocorrer em razão de proposta de terceiro, em melhores condições, ou se o locador, no prazo de três meses da entrega do imóvel, não der o destino alegado ou não iniciar as obras determinadas pelo Poder Público ou que declarou pretender realizar.

Art. 72. A contestação do locador, além da defesa de direito que possa caber, ficará adstrita, quanto à matéria de fato, ao      seguinte:

        I - não preencher o autor os requisitos estabelecidos nesta lei;
        II - não atender, a proposta do locatário, o valor locativo real do imóvel na época da renovação, excluída a valorização trazida por aquele ao ponto ou lugar;
        III - ter proposta de terceiro para a locação, em condições melhores;
        IV - não estar obrigado a renovar a locação (incisos I e II do art. 52).
        1° No caso do inciso II, o locador deverá apresentar, em contraproposta, as condições de locação que repute compatíveis com o valor locativo real e atual do imóvel.
        2° No caso do inciso III, o locador deverá juntar prova documental da proposta do terceiro, subscrita por este e por duas     testemunhas, com clara indicação do ramo a ser explorado, que não poderá ser o mesmo do locatário. Nessa hipótese, o locatário poderá, em réplica, aceitar tais condições para obter a renovação pretendida.
        3° No caso do inciso I do art. 52, a contestação deverá trazer prova da determinação do Poder Público ou relatório pormenorizado das obras a serem realizadas e da estimativa de valorização que sofrerá o imóvel, assinado por engenheiro devidamente habilitado.
        4° Na contestação, o locador, ou sublocador, poderá pedir, ainda, a fixação de aluguel provisório, para vigorar a partir do primeiro mês do prazo do contrato a ser renovado, não excedente a oitenta por cento do pedido, desde que apresentados elementos hábeis para aferição do justo valor do aluguel.

        5° Se pedido pelo locador, ou sublocador, a sentença poderá estabelecer periodicidade de reajustamento do aluguel diversa daquela prevista no contrato renovando, bem como adotar outro indexador para reajustamento do aluguel.