domingo, 23 de fevereiro de 2014

Defeitos (vícios) do negócio jurídico

Defeitos do negócio jurídico:

São vícios que incidem no negócio jurídico, tornando ele inválido.
Em regra, os defeitos do negócio jurídico tornam o negócio jurídico ANULÁVEL, no prazo decadencial de 4 anos. Se não pede pra anular nesse prazo, convalesce.

Existem 2 tipos de defeitos do NJ:
- Vícios da vontade ou do consentimento: quando o vício altera a manifestação da vontade do agente. A vontade do agente estará viciada por algum elemento.
- Vício social: não há nada errado com a vontade, mas sim na intenção da prática do ato. A prática desse ato acaba prejudicando outra pessoa, e por isso ele estará viciado.

1) Vícios da Vontade:

a) Erro:

Para se anular o contrato, segundo o artigo 138, ele precisa ser um erro substancial, relevante (Ex: só comprei porque a joia porque eu errei, se soubesse que era folheada e não de ouro, não teria comprado).

O artigo 139 traz hipóteses em que o erro é substancial.

Erro de Fato X Erro de Direito:
Erro de fato é uma falsa percepção da realidade fática.
Erro de direito significa o desconhecimento da lei. Em regra, diz a LINDB que não podemos alegar o desconhecimento da lei para não cumpri-la. Mas isso não é absoluto; no direito penal existe o chamado erro de proibição (que exclui a culpabilidade).
O artigo 139 diz que o erro de direito é um erro substancial, e é apto a ensejar a anulação de um contrato, desde que a pessoa que faça o negócio o faça de boa-fé, e tenha sido o motivo único ou principal na formação do negócio  (Ex: a pessoa compra algo e só depois descobre de algo que onera muito o contrato).

Art. 139. O erro é substancial quando:
I - interessa à natureza do negócio, ao objeto principal da declaração, ou a alguma das qualidades a ele essenciais;
II - concerne à identidade ou à qualidade essencial da pessoa a quem se refira a declaração de vontade, desde que tenha influído nesta de modo relevante;
III - sendo de direito e não implicando recusa à aplicação da lei, for o motivo único ou principal do negócio jurídico.

b) Dolo:

Ocorre quando alguém intencionalmente provoca o erro.
Ex: a pessoa te induz a comprar uma jóia folhada a ouro te falando que é de ouro.

O dolo pode ser comissivo (por ação) ou omissivo.
Dolo por omissão é quando a pessoa intencionalmente silencia sobre fato irrelevante ignorado pela outra parte (Art 147 do CC). Se a pessoa soubesse do fato que se omitiu, não teria realizado o negócio, ou pelo menos não com os mesmos valores.

Art. 147. Nos negócios jurídicos bilaterais, o silêncio intencional de uma das partes a respeito de fato ou qualidade que a outra parte haja ignorado, constitui omissão dolosa, provando-se que sem ela o negócio não se teria celebrado.

Caso concreto:
O indivíduo oferece 5 mil reais em um relógio que valia mil, achando que era um relógio de sua família. O vendedor sabe que não é, mas mesmo assim omite tal fato e vende o relógio pelo alto preço.

O dolo de terceiro torna o ato anulável?
Em princípio não, mas se houver má-fé (Ex: o terceiro engana as pessoas para comprar com aquele vendedor) o negócio pode ser anulado. Se houve boa-fé, o prejudicado pode (art 148) pedir perdas e danos contra aquele que o ludibriou.

Art. 148. Pode também ser anulado o negócio jurídico por dolo de terceiro, se a parte a quem aproveite dele tivesse ou devesse ter conhecimento; em caso contrário, ainda que subsista o negócio jurídico, o terceiro responderá por todas as perdas e danos da parte a quem ludibriou.

O dolo recíproco (quando os 2 contratantes agem com dolo) torna o ato válido. Nenhum dos dois pode pedir a anulação do ato.

Art. 150. Se ambas as partes procederem com dolo, nenhuma pode alegá-lo para anular o negócio, ou reclamar indenização.

Dolo do representante:
Segundo o art. 149 do CC. há distinção do dolo cometido pelo representante convencional (aquele que recebe poderes de representação por instrumento público ou particular) e pelo legal (aquele a quem a lei determina), vejamos:
Dolo do Representante Legal: só obriga o representado a responder civilmente até a importância do proveito.
Dolo do Representante convencional: o representado responderá solidariamente por perdas e danos.

Art. 149. O dolo do representante legal de uma das partes só obriga o representado a responder civilmente até a importância do proveito que teve; se, porém, o dolo for do representante convencional, o representado responderá solidariamente com ele por perdas e danos.

c) Coação:

Quando se obtém a vontade de um contratante sob grave ameaça.
Para a coação tornar o ato anulável, ela precisa ser uma coação moral irresistível. Se tiver como resistir à coação, não pode pedir para anular (Ex: uma criança de 9 anos pede pra comprar uma revista, se não ela irá lhe bater). O juiz irá analisar as circunstâncias do caso para determinar se a coação era resistível ou não.

Não se considera coação a ameaça de um exercício regular de um direito (Ex: se não pagar o aluguel eu vou te despejar) nem o simples temor reverencial (Ex: medo de uma pessoa  a que se deve obediência).

Coação de terceiro: segue a mesma regra do dolo.

Art. 154. Vicia o negócio jurídico a coação exercida por terceiro, se dela tivesse ou devesse ter conhecimento a parte a que aproveite, e esta responderá solidariamente com aquele por perdas e danos.

O prazo para anulação só começa a contar quando CESSA a coação. Nos demais vícios é a partir da prática do ato.

d) Estado de Perigo:

Tanto na lesão quanto no estado de perigo a pessoa se vê forçada a contratar ou a assumir uma prestação excessivamente onerosa em razão de determinada situação.

A diferença entre os dois é qual é essa situação que gerou a excessiva onerosidade.

No estado de perigo (art 156), a pessoa estava premida da necessidade de se salvar ou salvar alguém de sua família de sofrer grave dano.
Ex: o filho está morrendo e o hospital exige um cheque caução de 200 mil reais.

e) Lesão:

Na lesão, a prestação onerosa é assumida por 2 causas:
- Premente necessidade: uma necessidade urgente, de natureza contratual (Ex: precisa trocar a bateria do carro e só havia uma oficina aberta naquele horário; ou a pessoa contrata com ela ou não contrata com ninguém; se nesse caso houve a prestação excessiva poderia pleitear a anulação).
- Inexperiência: quando alguém, por inexperiência, assume obrigação excessiva.

Se a outra parte aceitar reequilibrar as prestações o negócio se mantém.

OBS: No Estado de perigo é ainda necessário que a outra parte tenha conhecimento da situação de necessidade pela qual passava o contratante que assumiu a prestação onerosa. Na lesão não; basta demonstrar a premente necessidade ou inexperiência e a assunção de uma prestação desproporcional.

2) Vícios sociais:

Hoje restringe-se a chamada "Fraude contra credores".
A simulação, após o CC2002, não é entendida como um defeito do negócio jurídico, pois torna o ato NULO. Seria portanto uma causa autônoma de nulidade.

A fraude contra credores normalmente ocorre quando os contratantes, de má-fé, praticam ato que acaba prejudicando credores.
Ex: A doa um bem pra B pra não ter bens para pagar um credor.

A ação anulatória aqui se chama ação pauliana. O prazo também é também decadencial de 4 anos.

Art. 158. Os negócios de transmissão gratuita de bens ou remissão de dívida, se os praticar o devedor já insolvente, ou por eles reduzido à insolvência, ainda quando o ignore, poderão ser anulados pelos credores quirografários, como lesivos dos seus direitos.
§ 1o Igual direito assiste aos credores cuja garantia se tornar insuficiente.
§ 2o Só os credores que já o eram ao tempo daqueles atos podem pleitear a anulação deles.

Se um devedor é insolvente (não tem mais dinheiro pra pagar as dívidas), ele não pode de forma válida praticar atos gratuitos (Ex: ele não pode doar, pois nesse caso presume-se que seria com a intenção de fraude). Nesse caso do ato gratuito do devedor insolvente, independe se houve ou não má-fé, basta provar o prejuízo ao credor (art 158) para ficar configurada a fraude. 

A ação pauliana também pode ser utilizada para anular atos onerosos, mas aqui  não basta provar a insolvência do devedor e o prejuízo ao credor. Precisa também demonstrar que houve má fé ("concilium fraudis").
O CC|2002, nesse caso, preferiu proteger o terceiro de boa-fé que, por exemplo, comprou um bem sem saber que o vendedor tinha a intenção de fraudar.

A lei traz 2 critérios para evidenciar se a pessoa sabia ou não da situação do devedor:
- Quando a insolvência for notória.
- Quando há motivos e circunstâncias que fazem presumir que o outro contratante saiba (Ex: parente, sócio, amigo íntimo etc)

O Concilium fraudis é, portanto, o conluio de fraude entre o alienante e o terceiro.

Ele só precisa ser provado quando o ato for oneroso.
Se o ato for gratuito, basta ser provada a alienação e a condição de insolvência do alienante.