domingo, 23 de fevereiro de 2014

Constituição Econômica



Há ou não uma constituição econômica?
Alguns autores dizem que não há essa autonomia da constituição econômica, outros dizem que sim.

A constituição econômica pode ser conceituada como o conjunto de normas e princípios relativos à economia.
A constituição passa a ter normas e princípios que regulam a atividade econômica ou que nela repercutam.

A doutrina portuguesa vai dizer que constituição econômica sempre existiu, pois sempre serão encontrados normas e princípios afetos à atividade econômica. O que vai variar é a forma e o seu alcance.

A doutrina divide a constituição econômica em constituição econômica formal e constituição econômica material
- Constituição econômica formal: todas as normas que versam sobre economia no texto constitucional (Ex: proteção ao consumidor).
- Constituição econômica material: abrange todas as normas que versam sobre a economia, estejam elas ou não na constituição. Ela é mais ampla, composta também por normas infraconstitucionais (Ex: CDC, que concretiza a proteção ao consumidor).

Se houver um conflito entre a formal e material (normas infraconstitucionais), prevalece a constituição formal, por critério de hierarquia.

O que é importante entender é que existe uma ordem jurídica que regula a atividade econômica. Essa ordem é chamada de constituição econômica.

A doutrina ainda trabalha uma duplicidade de ordens econômica:
- Ordem econômica formal: é composto pelo capítulo da ordem econômica na constituição (nas constituições com influencia social, é comum encontrar um capítulo da ordem econômica e outro da ordem social), previsto no artigo 170 a 192. Ali estão inseridas as disposições afetas a econômica.
- Ordem econômica material: Normas que versam sobre a economia e que não estão previstas entre os artigos 170 a 192 da CRFB (Ex: artigo 219: o mercado interno integra o patrimônio nacional).

Funções da constituição econômica:

1)      Organização da estrutura econômica de um Estado:

Qual o sistema econômico adotado no Brasil?
É o capitalismo, que é sinônimo de economia de mercado e de economia descentralizada.
Em regra, a propriedade dos meios de produção é privada, e se legitima a busca do lucro.
É um sistema baseado em algumas premissas fundamentais: livre iniciativa, livre concorrência, propriedade privada.
De acordo com o artigo 170 da CRFB, o sistema econômico no Brasil é o capitalismo. A economia é descentralizada: a organização da atividade econômica não é centralizada pelo Estado.
É um sistema capitalista puro? Não. Alguns autores chegam a falar em “capitalismo brasileiro”, que é moldado pela nossa constituição.  Esse sistema permite a intervenção do Estado na atividade econômica (artigos 170, 173, 174, 175, 177 -> preveem a presença do estado). O regime é intervencionista, pois o Estado pode sim intervir na atividade econômica. Isso não depende de um posicionamento ideológico, é uma previsão constitucional.

Qual é o padrão adotado por nossa política econômica? Ela tem um conteúdo liberal, neoliberal ou social?
A nossa constituição consagra um padrão social.
Isso vem de uma interpretação sistemática do texto constitucional.
Na ADIn 319 o STF firmou o entendimento de que a constituição brasileira consagra um Estado Democrático SOCIAL de direito, conforme intelecção do artigo 170 e do artigo 1º, IV da CRFB.
Isso também foi firmado nas ADIn 1950 e 3512.

Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios:

Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos:
IV - os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa;

O STF disse que o exercício de qualquer atividade econômica somente será legitimamente exercido se cumprida a sua finalidade social. A constituição não consagra o modelo neoliberal (papel mínimo do Estado), mas sim o modelo social, que prevê a necessidade do Estado na economia como forma de concretização dos objetivos fundamentais da RFB. A presença do Estado na economia é fundamental para a transformação da realidade política, econômica e social. Sem essa presença, não se consegue efetivar os objetivos fundamentais da república (Ex: redução das desigualdades e da pobreza).

2)      Limitação do poder econômico:

A constituição econômica disciplina e limita a atuação do poder econômico.

No RE208819 (Informativo 405) do STF e HC 12547 do STJ decidiu-se sobre a aplicabilidade dos direitos fundamentais nas relações privadas.
A maioria dos direitos fundamentais é violada mais pelo poder econômico do que pelo poder político. Por isso, tanto a doutrina quanto a jurisprudência evoluiriam para aplicar os direitos fundamentais no plano das relações jurídicas privadas.

Teoria da captura:
O interesse do órgão regulador acaba sendo capturado pelo ente regulado, o que desvirtua o interesse público.
O TRF-5 já julgou um caso que envolvia a ANATEL, em que o ente regulador teria sido “capturado” pelo regulado. Membros das empresas de telefonia passaram a integrar quadros do órgão de fiscalização que deveriam ser ocupados por consumidores, o que acaba desvirtuando a finalidade da agencia reguladora.

3)      Implementação de políticas públicas:

Os julgados mais recentes tem invocado um caráter de efetividade das normas e objetivos  fundamentais da CRFB.

Na ADI 1950 e 3512, o STF disse que a constituição econômica vincula o poder executivo, legislativo e judiciário à implementação de políticas públicas econômicas.
A constituição brasileira, em seu artigo 170, consagra um principio implícito do direito econômico, que é o princípio da democracia econômica e social (se aplica a todos).
Portanto, a efetividade desse princípio passa por uma atuação positiva do Estado, de implementação de políticas públicas.

O STF, ao falar de democracia econômica e social, não cuida do principio da igualdade apenas em um aspecto formal, mas também em um aspecto material. Os desiguais devem ser tratados de forma desigual.
Nesse sentido, as ações afirmativas são forma de implementação de políticas públicas.
O mesmo vale para o programa Bolsa Família.

Na ADI 3330 o STF reconheceu a constitucionalidade de políticas sociais e de políticas econômicas de conteúdo afirmativo.

Por outro lado, há a invocação da teoria da reserva do possível, que tenta dizer que o Estado brasileiro possui limitações financeiras e orçamentárias que lhe impedem de exercer uma série de funções constitucionalmente previstas.
No entanto, essa reserva do possível não pode ser invocada para inviabilizar direitos fundamentais. Isso foi decidido na ADPF 45 (Informativo 345 do STF).
A reserva do possível tem 2 requisitos para sua implementação:
- O estado tem que analisar se a implementação de uma determinada política pública é ou não razoável.
- Se efetivamente não há reserva de recurso financeiro. É necessário que o Estado comprove de forma efetiva que não possui recursos financeiros.
Só se aplica a reserva do possível quando a política pública não for razoável e quando de fato não houver recursos financeiros.

Hoje a discussão orçamentária é de fundamental relevância para a implementação de direitos sociais. Esses recursos pertencem à sociedade, e não a determinados grupos.