UMA BREVE ANÁLISE DA BOA FÉ OBJETIVA NO CÓDIGO CIVIL BRASILEIRO
I. Introdução:
A boa fé é um dos princípios
fundamentais do direito privado. Ela está ligada à fidelidade, à sinceridade e à
franqueza do indivíduo.
O artigo 113 do Código Civil trata
da função hermenêutica da boa fé:
Art.
113. Os negócios jurídicos devem ser interpretados conforme a boa-fé e os usos
do lugar de sua celebração.
Assim, dentro de uma relação
contratual ela é fundamental para a validade dos negócios jurídicos. Devem as
partes contratantes agirem com uma postura ética, que traduza a veracidade das
suas vontades, sem mentiras ou dissimulações. Desta forma, a boa fé estabelece
limites subjetivos nas relações jurídicas, criando deveres para as partes.
II. Classificação da Boa Fé:
Existe a boa fé subjetiva e a
objetiva.
(a) Boa Fé Subjetiva
Também chamada de psicológica,
consiste em convicções internas. Ela está ligada à boa fé da pessoa que ignora
que está agindo contrário à lei. É a crença de se estar agindo dentro da
legalidade, acreditando na licitude do ato ou da situação jurídica. Através
dela o intérprete analisa a real
intenção do agente diante do caso concreto.
Ela tem aplicabilidade em diversos
ramos do direito civil, tais como, no direito de família (casamento putativo);
no direito possessório (possuidor de boa fé); no direito hereditário (herdeiro
aparente com testamento nulo); e, no direito das obrigações (pagamento ao
credor putativo).
(b) Boa Fé Objetiva
Já a boa fé objetiva surgiu com o
CDC. Ela veio para complementar a boa fé subjetiva. Diz-se objetiva porque não
se avalia a convicção interna de cada indivíduo; ele é examinada na esfera das
ações. Aqui, o intérprete olha para o negócio jurídico e verifica se ele está
de acordo com o padrão ético objetivo de honestidade, isto é, se ele expressa
de fato a legítima expectativa das partes envolvidas.
Assim a boa fé objetiva possui
dois pilares, a lealdade e a confiança. O comportamento com o parceiro
contratual deve estar fundado na lealdade, gerando confiança mútua.
III. Natureza Jurídica da Boa Fé Objetiva:
Pode-se dizer, em linhas gerais,
que ela possui natureza dúplice, vez que, é cláusula geral de todos os negócios
jurídicos, bem como princípio geral do direito, sendo, portanto, de observância
obrigatória.
IV. Funções da Boa Fé Objetiva:
(a) Função Integrativa
Ocorre quando, diante da ausência de alguma cláusula contratual, seja intencional
ou não, o intérprete se vale da boa-fé objetiva visando corrigir essa falha, aplicando
ao caso concreto um padrão ético de conduta que deveria ser obedecido pelas
partes.
(b) Função Controladora
Em uma relação contratual é
importante analisar se a manifestação de vontade das partes está de acordo com
a boa fé objetiva. Do contrário, o operador do direito tem o dever de coibir a
prática ou tentativa abusiva que atente contra a sua aplicação. Pode o intérprete,
inclusive, interferir na autonomia de vontade das partes, e considerar nula algumas
cláusulas contratuais.
(c) Função Interpretativa
Quando houver um contrato omisso,
dúbio ou ambíguo, o intérprete deverá analisar o contrato, salvando aquilo que
está de acordo com as leis e costumes, adequando, se for o caso, as cláusulas
que não atenderem ao seu fim, buscando sempre uma harmonia contratual dentro da
legalidade.
V. FASES DA BOA FÉ:
1. Fase Pré-Contratual
Inicia-se nas tratativas e vai até
a proposta. É de difícil análise, devendo ser cuidadosamente estudada caso a
caso.
Ocorre quando houver recusa de
contratar, ou quando houver rompimento das negociações preliminares de forma
abrupta e sem explicações. É a chamada culpa in contraendo, culpa aquiliana ou extracontratual.
Assim, o comportamento das partes
já nas tratativas deve se basear sempre na ética, não devendo ser leviano com
seus pares, ou seja, as partes devem oferecer somente aquilo que elas podem
cumprir, uma vez que a proposta é vinculativa ao contrato.
Como embasamento para a
responsabilidade pré-contratual, pode-se citar a culpa, o abuso de direito, a
garantia decorrente do consentimento voluntário às negociações, a eqüidade e a
boa-fé objetiva.
2. Fase Contratual
Ocorre quando há a realização do vínculo.
É neste momento que nasce para as partes contratantes os chamados deveres
anexos. São deveres que decorrem da legítima expectativa de se estar celebrando
um negócio jurídico com pessoas probas e de boa índole.
Como exemplo de dever anexo
destaca-se o de informar corretamente, devendo os envolvidos serem
transparentes dentro do negócio jurídico celebrado. Há também o dever de
cooperação, para que o negócio atinja a finalidade pretendida.
O Enunciado
n.º 24 do Conselho da Justiça Federal, prolatado na 1ª Jornada de Direito Civil
, ao interpretar o artigo 422 do CC determinou que:
“ Em virtude do princípio da boa-fé, positivado no art. 422 do novo Código
Civil, a violação dos deveres anexos constitui espécie de inadimplemento, independentemente
de culpa.”
3. Fase Pós Contratual
A relação contratual não finda
logo após o adimplemento da prestação. Nesta fase analisa-se a pós eficácia do
contrato, isto é, mesmo após o seu término, os deveres anexos devem continuar
sendo respeitados. A inobservância deles gera a responsabilidade post factum finitum.
Como exemplo, pode-se citar o caso
do Zeca Pagodinho quando foi contratado para ser o garoto propaganda da cerveja
Nova Schin em setembro de 2003. Em 2004 a Brahma lança no mercado a propaganda
surpresa cujo garoto propaganda é exatamente o cantor, que ironiza sua passagem
pela Nova Schin, com o slogan: “Fui provar outro sabor, eu sei, mas não largo o
meu amor, voltei.”
A atitude do artista foi vista
como desleal, vez que a campanha da Brahma teve o nítido condão de depreciar as
qualidades da cerveja Nova Schin, gerando a responsabilidade pós contratual.
VI. Considerações Finais:
Com o advento do Código Civil de
2002 a boa fé objetiva foi positivada como princípio geral do direito,
obrigando as partes contratantes a agirem sempre com lealdade e ética, sendo
transparentes na sua forma de atuação. Ela veio romper com a idéia de que tudo
aquilo que não for proibido no contrato ou na lei é permitido.
Vê-se, assim, que a autonomia da
vontade encontra óbice neste princípio geral do direito, não sendo mais
soberana.
Colaboradora: Adriana Guériot