O ICMS é o imposto de competência estadual incidente sobre operações relativas à circulação de mercadorias e sobre prestação de serviços de transporte interestadual e intermunicipal e de comunicação.
Sua aplicação tem
particularidades e causou muitas divergências, principalmente no referente às
operações de arrendamento mercantil – leasing – que se inciavam no exterior com
destino ao Brasil. Discussões sobre o fato gerador de tal imposto permearam
durante anos os tribunais brasileiros, até que se chegou a uma decisão
vinculante sobre a matéria.
O ICMS é o tributo
estadual que incide sobre circulação de mercadorias e prestação de determinados
serviços, como descrito na Constituição Federal, me seu artigo 155, II:
“Art. 155. Compete aos Estados e ao Distrito Federal instituir impostos sobre(...)II - operações relativas à circulação de mercadorias e sobre prestações de serviços de transporte interestadual e intermunicipal e de comunicação, ainda que as operações e as prestações se iniciem no exterior.”
O imposto em questão
tem destacada importância no orçamento nacional, chegando a representar,
sozinho, de 1/3 a 3/4 da arrecadação dos
estados da Federação e até 1/4 do orçamento dos municípios, já que uma
porcentagem do ICMS é distribuída aos
municípios que compõe o estado arrecadador.
O ICMS atua também como
imposto com função extrafiscal, regulando a precificação dos bens de consumo no
mercado. O imposto é utilizado na prática como instrumento para corrigir a
instabilidade da atividade econômica na indústria, interferindo, portanto, na
comercialização dos bens. Tal extrafiscalidade não leva em conta apenas o fim
arrecadatório, mas a regularização da vida em sociedade.
Estamos tratando, portanto, do imposto que
visa tributar a circulação jurídico-econômica de mercadorias e certas
prestações de serviços. No caso do leasing, analisaremos sua incidência sobre as operações.
Para que haja o fato
gerador para a tributação das operações, é necessário que sejam atendidos os
seguintes requisitos: que haja uma circulação de mercadoria, que essa
circulação recaia no plano jurídico e no econômico e que o bem constante nessa
operação seja uma mercadoria.
O sujeito passivo de
tal tributo pode ser definido consoante o que determina o art. 4º da Lei
Complementar nº: 87/1996, como segue:
a)
pessoas que pratiquem operações relativas à circulação de mercadorias;
b)
importadores de bens de qualquer natureza;
c)
prestadores de serviços de transporte interestadual e intermunicipal;
d)
prestadores de serviços de comunicação.
Imperioso destacar que,
nos casos em que há mera saída física da mercadoria, não há que se falar em
incidência do ICMS. No mesmo sentido, cite-se a Súmula 573 do STF:
“Não constitui fato gerador do imposto de circulação de mercadorias a saída física de máquinas, utensílios e implementos a título de comodato”.
O STJ também segue a
mesma linha, com a Súmula 166:
“Não constitui fato gerador do ICMS o simples deslocamento de mercadoria de um para outro estabelecimento do mesmo contribuinte”.
Portanto, para que
caiba o imposto, deve haver fato gerador do direito de tributar, sendo necessário
que haja um ato de circulação jurídico-econômica de mercadoria, onde haja a
transferência de domínio, titularidade de tal bem, saindo do patrimônio do
mercador e entrando no do comprador. A
mercadoria, para tanto, deve ser
alienada de forma habitual, organizada e com fim lucrativo.
Sobre o leasing, ou arrendamento mercantil, podemos afirmar que é o negócio que busca permitir a
utilização de bens por pessoa física ou jurídica que, por diversas razões, não
pretende realizar a compra e venda direta do fornecedor, atuando a empresa de
leasing como intermediária do negócio jurídico.
Ao final do prazo do
contrato, o arrendatário pode: (i) devolver o bem ao final do contrato, (ii) prorrogar o contrato de leasing, ou
(iii) adquirir o bem, com a vantagem de
somente pagar o valor residual - VRG
Acerca da incidência do
ICMS sobre a operação de arrendamento mercantil, a LC 87 é enfática em seu
artigo 3º, VII, quando dispõe que o ICMS não incide sobre “operações de
arrendamento mercantil, não compreendida a venda do bem arrendado ao
arrendatário”.
Isso significa que não se
pode falar em cobrança de ICMS sobre as operações de leasing, salvo se for
feita a opção de compra. O não cabimento
do ICMS sobre essa operação se deve pelo fato de não haver desdobramento de
posse, a transferência de domínio do bem, fazendo com que não ocorra a
circulação jurídica da mercadoria de um patrimônio para outro, característica
fundamental para se configurar hipótese de incidência de ICMS.
Podemos perceber, então, que nas operações internas a questão da incidência de ICMS sobre o leasing é pacificada - não há fato gerador de cobrança. Todavia, a questão de incidência do ICMS sobre as operações de leasing internacional sempre gerou muitos debates jurídicos, inclusive com decisões divergentes do próprio STF.
Decisão fundamental
para o começo de tal discussão sobre o tema foi tomada no RE 206.069/SP pela
Ministra Ellen Gracie, que estabeleceu que no Leasing Internacional – ou leasing importação – caberia a incidência de ICMS, regendo-se pelo pressuposto de que o
fato gerador de ICMS ocorre na entrada da mercadoria no Brasil, independente do
tipo de operação a que se refere. Vejamos:
“RECURSO EXTRAORDINÁRIO. TRIBUTÁRIO. ICMS. ARRENDAMENTO MERCANTIL –“LEASING”. 1. De acordo com a Constituição de 1988, incide ICMS sobre a entrada de mercadoria importada do exterior. Desnecessária, portanto, a verificação da natureza jurídica do negócio internacional do qual decorre a importação, o qual não se encontra ao alcance do Fisco nacional. 2. O disposto no art. 3º, inciso VIII, da Lei Complementar n. 87/96 aplica-se exclusivamente às operações internas de leasing. 3. Recurso extraordinário conhecido e provido.” (RE 206.069/SP, Pleno, rel. Min. Ellen Gracie. Data de julgamento 01/09 /2005
Em 2007, porém, o
ministro Eros Grau, pressionado por questões de contexto político e econômico
do país, deu decisão diversa no RE 461.968/SP, alegando que o ICMS só deve
incidir sobre a circulação de mercadorias, sua transferência de domínio, e no
caso da operação de leasing sem a opção ao final de compra esse fator não
estaria presente, desconfigurando o fato gerador do imposto.
Tendo em vista a
divergência de posicionamentos do Supermo Tribunal Federal e a instabilidade
jurídica causada por esses desentendimentos, em setembro de 2014 foi decidido o
RE 540829/SP, com efeito vinculante, que pacificou a matéria em questão e
garantiu uma uniformidade de julgamentos.
A decisão foi proferida
no Recurso Extraordinário (RE) 540829, com repercussão geral reconhecida, foi
extremamente importante para garantir a segurança jurídica neste tipo de
operação, pois, segundo o presidente da Corte, ministro Ricardo Lewandowski, o
julgamento significa a solução de, pelo menos, 406 processos que estavam
sobrestados nas demais instâncias, em virtude do instituto da repercussão
geral.
“RECURSO EXTRAORDINÁRIO. CONSTITUCIONAL E TRIBUTÁRIO. ICMS. ENTRADA DE MERCADORIA IMPORTADA DO EXTERIOR. ART. 155, II, CF/88. OPERAÇÃO DE ARRENDAMENTO MERCANTIL INTERNACIONAL. NÃO-INCIDÊNCIA. RECURSO EXTRAORDINÁRIO A QUE SE NEGA PROVIMENTO. 1. O ICMS tem fundamento no artigo 155, II, da CF/88, e incide sobre operações relativas à circulação de mercadorias e sobre prestações de serviços de transporte interestadual e intermunicipal e de comunicação, ainda que as operações e as prestações se iniciem no exterior. 2. A alínea a do inciso IXdo § 2º do art. 155 da Constituição Federal, na redação da EC 33/2001, faz incidir o ICMS na entrada de bem ou mercadoria importados do exterior, somente se de fato houver circulação de mercadoria, caracterizada pela transferência do domínio (compra e venda). 3. Precedente: RE 461968, Rel. Min. EROS GRAU, Tribunal Pleno, julgado em 30/05/2007, Dje 23/08/2007, onde restou assentado que o imposto não é sobre a entrada de bem ou mercadoria importada, senão sobre essas entradas desde que elas sejam atinentes a operações relativas à circulação desses mesmos bens ou mercadorias. 4. Deveras, não incide o ICMS na operação de arrendamento mercantil internacional, salvo na hipótese de antecipação da opção de compra, quando configurada a transferência da titularidade do bem. Consectariamente, se não houver aquisição de mercadoria, mas mera posse decorrente do arrendamento, não se pode cogitar de circulação econômica. 5. In casu, nos termos do acórdão recorrido, o contrato de arrendamento mercantil internacional trata de bem suscetível de devolução, sem opção de compra. 6. Os conceitos de direito privado não podem ser desnaturados pelo direito tributário, na forma do art. 110 do CTN, à luz da interpretação conjunta do art. 146, III, combinado com o art. 155, inciso II e § 2º, IX, a, da CF/88. 8. Recurso extraordinário a que se nega provimento.” (STF - RE: 540829 SP , Pleno. Relator: Min. GILMAR MENDES, Data de Julgamento 11/09/2014)
Tal julgado consolida o entendimento do STF de que o ICMS
só incide na transferência de propriedade de mercadoria, independente das
operações serem internas ou internacionais, passando-se a
entender que o leasing importação segue a lógica do leasing nas operações internas nas quais o imposto só incide
se e quando for exercida a opção de compra do bem, harmonizando-se ao que prevê o artigo 3º, inciso VIII, da Lei
Complementar 87/96.
Colaboradora: Luisa Iva Maia Forte
Fontes:
Sabbag, Eduardo. Manual
de direito tributário – 6. ed. – São Paulo: Saraiva, 2014.