1 - CONSIDERAÇÕES INICIAIS SOBRE O ICMS.
O ICMS é um imposto de competência dos Estados e do Distrito Federal, previsto na CRFB/88, em seu art. 155, II. Também tem previsão na Lei complementar nº 86/96.
Uma das hipóteses de incidência do ICMS são as operações relativas à circulação de mercadorias.
2 - A SISTEMÁTICA DE COBRANÇA DE ICMS, NAS OPERAÇÕES INTERESTADUAIS, ANTES DA EC Nº 87/15.
Toda vez que compramos um produto há incidência de ICMS sobre essa operação. Todavia, pode ocorrer que essa operação seja interestadual.
Como por exemplo: Eduardo, por meio de um site de comércio eletrônico, compra uma televisão de uma loja com sede no Estado do Rio de Janeiro a ser entregue no Estado do Ceará.
Neste exemplo, houve uma operação interestadual. Na operação realizada entre pessoas situadas em Estados diferentes, quando o consumidor final é contribuinte, quem fica com o ICMS cobrado? E quando o consumidor final não for contribuinte do imposto, quem fica com o ICMS cobrado?
A regra prevista no antigo texto da CRFB/88 previa que, in verbis:
"Art. 155 (...)
§ 2º O imposto previsto no inciso II atenderá ao seguinte:
VII - em relação às operações e prestações que destinem bens e serviços a consumidor final localizado em outro Estado, adotar-se-á:
a) a alíquota interestadual, quando o destinatário for contribuinte do imposto
b) a alíquota interna, quando o destinatário não for contribuinte dele;"
Assim, antes da aprovação da EC nº 87/15, tínhamos duas hipóteses: (i) a aplicação da alíquota interestadual quando o consumidor final fosse contribuinte do imposto, cabendo ao Estado de destino o montante da arrecadação da diferença entre alíquota interna e alíquota interestadual e (ii) a aplicação da alíquota interna, quando o consumir final não fosse contribuinte do imposto.
Respondendo a primeira pergunta, o Estado de origem fica com o montante correspondente à aplicação da alíquota interestadual e ao Estado de destino, o montante da arrecadação da diferença entre alíquota interna e alíquota interestadual. Nada mudando neste sentido, como veremos ao longo do texto.
Em relação a segunda pergunta, quando o consumidor final não era contribuinte do imposto, aplicava-se a alíquota interna do Estado de origem e o valor da arrecadação do ICMS ficava todo com ele. O Estado destinatário/consumidor - onde mora o comprador - não ficava com nada.
No nosso exemplo, a alíquota do Rio de Janeiro é de 18%, incidente sobre o preço do produto/mercadoria. O valor dessa arrecadação ficava todo com o Estado do Rio de Janeiro. Essa regra era aplicada para operações quando o consumidor final era de outro Estado, e não contribuinte do ICMS, conforme o antigo texto do art. 155, § 2º, VII, b), da CRFB/88.
Alguns Estados, principalmente do Norte e do Nordeste, criticavam essa antiga fórmula constitucional de cobrança do ICMS, pois consideravam prejudicial ao equilíbrio federativo. Argumentavam que a realidade era assimétrica e prejudicava os Estados que não possuem grandes centros distribuidores de produtos.
Por conta da antiga regra prevista no art. 155, § 2º, VII, "b", os Estado do Norte e do Nordeste conseguiram, em 2011, aprovar no Conselho de Política Fazendária (CONFAZ), o Protocolo ICMS 21/2011. Esse protocolo permitia aos Estados destinatários da mercadoria, a exigência de parcela da cobrança do ICMS sobre as operações interestaduais, independentes de ser tratar de contribuinte ou não do imposto, em que o consumidor final adquire mercadoria ou bem na forma não presencial (internet, telemarketing ou showroom).
O Protocolo ICMS 21/2011, assim descrevia:
"Cláusula primeira Acordam as unidades federadas signatárias deste protocolo a exigir, nos termos nele previstos, a favor da unidade federada de destino da mercadoria ou bem, a parcela do Imposto sobre Operações Relativas à Circulação de Mercadorias e sobre Prestações de Serviços de Transporte Interestadual e Intermunicipal e de Comunicação - ICMS - devida na operação interestadual em que o consumidor final adquire mercadoria ou bem de forma não presencial por meio de internet, telemarketing ou showroom.
Parágrafo único. A exigência do imposto pela unidade federada destinatária da mercadoria ou bem, aplica-se, inclusive, nas operações procedentes de unidades da Federação não signatárias deste protocolo.
Cláusula terceira A parcela do imposto devido à unidade federada destinatária será obtida pela aplicação da sua alíquota interna, sobre o valor da respectiva operação, deduzindo-se o valor equivalente aos seguintes percentuais aplicados sobre a base de cálculo utilizada para cobrança do imposto devido na origem:
I - 7% (sete por cento) para as mercadorias ou bens oriundos das Regiões Sul e Sudeste, exceto do Estado do Espírito Santo;
II - 12% (doze por cento) para as mercadorias ou bens procedentes das Regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste e do Estado do Espírito Santo.
Parágrafo único. O ICMS devido à unidade federada de origem da mercadoria ou bem, relativo à obrigação própria do remetente, é calculado com a utilização da alíquota interestadual."
3 - INCONSTITUCIONALIDADE DO PROTOCOLO 21/2011
No ano passado (setembro de 2014), o plenário do STF, por unanimidade, declarou a inconstitucionalidade do Protocolo ICMS 21/2011, do CONFAZ, que exigia, conforme explicado acima, o recolhimento de parte do ICMS em favor dos estados onde se encontrarem os consumidores finais dos produtos comprados. A Suprema Corte julgou as Ações Diretas de Inconstitucionalidade (ADIs) 4628 e 4713, além do Recurso Extraordinário (RE) 680089.
Entendeu o STF que existia uma inconstitucionalidade material, por dois motivos: (I) - as regras de cobrança do ICMS para o Estado destinatário do produto ou mercadoria, só poderia ser alterado por norma constitucional; (II) - o protocolo instituiu modalidade de substituição tributária sem previsão legal. Outrossim, o STF entendeu que o Protocolo 21/2011 não respeitava o art. 155, § 2º, VII, "b", da CRFB/88.
Desta forma, continuou sendo aplicado o disposto no antigo texto da CRFB/88 - a arrecadação do ICMS é toda devida ao Estado de origem dos produtos e mercadorias comprados nestes modelo - quando o consumidor final não for contribuinte do imposto.
4 - EMENDA CONSTITUCIONAL nº 87/2015
A EC nº 87/2015 mudou o texto do art. 155, § 2º, VII, da CRFB/88, que passa a vigorar com a seguinte redação, in verbis:
Art. 155 (...)
§2º § 2.º O imposto previsto no inciso II atenderá ao seguinte:
VII - nas operações e prestações que destinem bens e serviços a consumidor final, contribuinte ou não do imposto, localizado em outro Estado, adotar-se-á a alíquota interestadual e caberá ao Estado de localização do destinatário o imposto correspondente à diferença entre a alíquota interna do Estado destinatário e a alíquota interestadual; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 87, de 2015) (Produção de efeito)
VIII - a responsabilidade pelo recolhimento do imposto correspondente à diferença entre a alíquota interna e a interestadual de que trata o inciso VII será atribuída: (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 87, de 2015) (Produção de efeito)
a) ao destinatário, quando este for contribuinte do imposto; (Incluído pela Emenda Constitucional nº 87, de 2015)
b) ao remetente, quando o destinatário não for contribuinte do imposto; (Incluído pela Emenda Constitucional nº 87, de 2015)
Assim, o novo texto da Constituição estabelece que os valores da arrecadação sejam divididos, de forma gradativa, entre o Estado de origem e o Estado destinatário da operação interestadual de mercadoria, de forma que, até 2019, o Estado de destino fique com 100% da diferença da alíquota interna do Estado destinatário e a alíquota interestadual.
Regra de transição do art. 99 do ADCT.
"Art. 2º O Ato das Disposições Constitucionais Transitórias passa a vigorar acrescido do seguinte art. 99:
"Art. 99. Para efeito do disposto no inciso VII do § 2º do art. 155, no caso de operações e prestações que destinem bens e serviços a consumidor final não contribuinte localizado em outro Estado, o imposto correspondente à diferença entre a alíquota interna e a interestadual será partilhado entre os Estados de origem e de destino, na seguinte proporção:
I - para o ano de 2015: 20% (vinte por cento) para o Estado de destino e 80% (oitenta por cento) para o Estado de origem;
II - para o ano de 2016: 40% (quarenta por cento) para o Estado de destino e 60% (sessenta por cento) para o Estado de origem;
III - para o ano de 2017: 60% (sessenta por cento) para o Estado de destino e 40% (quarenta por cento) para o Estado de origem;
IV - para o ano de 2018: 80% (oitenta por cento) para o Estado de destino e 20% (vinte por cento) para o Estado de origem;
V - a partir do ano de 2019: 100% (cem por cento) para o Estado de destino."
De acordo com as novas regras, o ICMS arrecadado nas operações interestaduais destinadas a consumidor final, contribuinte ou não do imposto, sujeitam-se ao seguinte: (i) - alíquota interestadual e (ii) a diferença entre a alíquota interna do Estado destinatário e a interestadual (respeitada a regra de transição do art. 99 do ADCT).
É importante destacar, que a sistemática continua a mesma para operações interestaduais, quando o consumidor final for contribuinte do imposto.
Por fim, no meu exemplo exposto no inicio do texto, teríamos a aplicação de 7% da alíquota interestadual (RJ - CE). E a aplicação da alíquota de 10% - diferença entre a alíquota interestadual e a alíquota interna do Estado do Ceará - que ficaria, de forma gradativa, com o Estado do Ceará (respeitada a regra de transição do art. 99 do ADCT).
Por Eduardo da Costa Damasceno.
Autor: Eduardo da Costa Damasceno. Bacharel em Direito pela UFF. Advogado. Especialista em Direito tributário, direito público e direito da atividade econômica/consumidor. Estudante de Ciências Contábeis pela mesma Universidade.