domingo, 26 de abril de 2015

UMA BREVE ANÁLISE DA BOA FÉ OBJETIVA NO CÓDIGO CIVIL BRASILEIRO

UMA BREVE ANÁLISE DA BOA FÉ OBJETIVA NO CÓDIGO CIVIL BRASILEIRO



I. Introdução:

A boa fé é um dos princípios fundamentais do direito privado. Ela está ligada à fidelidade, à sinceridade e à franqueza do indivíduo.

O artigo 113 do Código Civil trata da função hermenêutica da boa fé:

Art. 113. Os negócios jurídicos devem ser interpretados conforme a boa-fé e os usos do lugar de sua celebração.

Assim, dentro de uma relação contratual ela é fundamental para a validade dos negócios jurídicos. Devem as partes contratantes agirem com uma postura ética, que traduza a veracidade das suas vontades, sem mentiras ou dissimulações. Desta forma, a boa fé estabelece limites subjetivos nas relações jurídicas, criando deveres para as partes.

II. Classificação da Boa Fé:

Existe a boa fé subjetiva e a objetiva.

(a) Boa Fé Subjetiva

Também chamada de psicológica, consiste em convicções internas. Ela está ligada à boa fé da pessoa que ignora que está agindo contrário à lei. É a crença de se estar agindo dentro da legalidade, acreditando na licitude do ato ou da situação jurídica. Através dela o intérprete  analisa a real intenção do agente diante do caso concreto.

Ela tem aplicabilidade em diversos ramos do direito civil, tais como, no direito de família (casamento putativo); no direito possessório (possuidor de boa fé); no direito hereditário (herdeiro aparente com testamento nulo); e, no direito das obrigações (pagamento ao credor putativo).

(b) Boa Fé Objetiva

Já a boa fé objetiva surgiu com o CDC. Ela veio para complementar a boa fé subjetiva. Diz-se objetiva porque não se avalia a convicção interna de cada indivíduo; ele é examinada na esfera das ações. Aqui, o intérprete olha para o negócio jurídico e verifica se ele está de acordo com o padrão ético objetivo de honestidade, isto é, se ele expressa de fato a legítima expectativa das partes envolvidas.

Assim a boa fé objetiva possui dois pilares, a lealdade e a confiança. O comportamento com o parceiro contratual deve estar fundado na lealdade, gerando confiança mútua.

III. Natureza Jurídica da Boa Fé Objetiva:

Pode-se dizer, em linhas gerais, que ela possui natureza dúplice, vez que, é cláusula geral de todos os negócios jurídicos, bem como princípio geral do direito, sendo, portanto, de observância obrigatória. 

IV. Funções da Boa Fé Objetiva:

(a) Função Integrativa

Ocorre quando, diante da ausência de alguma cláusula contratual, seja intencional ou não, o intérprete se vale da boa-fé objetiva visando corrigir essa falha, aplicando ao caso concreto um padrão ético de conduta que deveria ser obedecido pelas partes.

(b) Função Controladora

Em uma relação contratual é importante analisar se a manifestação de vontade das partes está de acordo com a boa fé objetiva. Do contrário, o operador do direito tem o dever de coibir a prática ou tentativa abusiva que atente contra a sua aplicação. Pode o intérprete, inclusive, interferir na autonomia de vontade das partes, e considerar nula algumas cláusulas contratuais.

(c) Função Interpretativa

Quando houver um contrato omisso, dúbio ou ambíguo, o intérprete deverá analisar o contrato, salvando aquilo que está de acordo com as leis e costumes, adequando, se for o caso, as cláusulas que não atenderem ao seu fim, buscando sempre uma harmonia contratual dentro da legalidade.

V. FASES DA BOA FÉ:

1. Fase Pré-Contratual

Inicia-se nas tratativas e vai até a proposta. É de difícil análise, devendo ser cuidadosamente estudada caso a caso.

Ocorre quando houver recusa de contratar, ou quando houver rompimento das negociações preliminares de forma abrupta e sem explicações. É a chamada culpa in contraendo, culpa aquiliana ou extracontratual. 

Assim, o comportamento das partes já nas tratativas deve se basear sempre na ética, não devendo ser leviano com seus pares, ou seja, as partes devem oferecer somente aquilo que elas podem cumprir, uma vez que a proposta é vinculativa ao contrato.

Como embasamento para a responsabilidade pré-contratual, pode-se citar a culpa, o abuso de direito, a garantia decorrente do consentimento voluntário às negociações, a eqüidade e a boa-fé objetiva.

2. Fase Contratual

Ocorre quando há a realização do vínculo. É neste momento que nasce para as partes contratantes os chamados deveres anexos. São deveres que decorrem da legítima expectativa de se estar celebrando um negócio jurídico com pessoas probas e de boa índole.

Como exemplo de dever anexo destaca-se o de informar corretamente, devendo os envolvidos serem transparentes dentro do negócio jurídico celebrado. Há também o dever de cooperação, para que o negócio atinja a finalidade pretendida.  

O Enunciado n.º 24 do Conselho da Justiça Federal, prolatado na 1ª Jornada de Direito Civil , ao interpretar o artigo 422 do CC determinou que:

“ Em virtude do princípio da boa-fé, positivado no art. 422 do novo Código Civil, a violação dos deveres anexos constitui espécie de inadimplemento, independentemente de culpa.”

3. Fase Pós Contratual

A relação contratual não finda logo após o adimplemento da prestação. Nesta fase analisa-se a pós eficácia do contrato, isto é, mesmo após o seu término, os deveres anexos devem continuar sendo respeitados. A inobservância deles gera a responsabilidade post factum finitum.

Como exemplo, pode-se citar o caso do Zeca Pagodinho quando foi contratado para ser o garoto propaganda da cerveja Nova Schin em setembro de 2003. Em 2004 a Brahma lança no mercado a propaganda surpresa cujo garoto propaganda é exatamente o cantor, que ironiza sua passagem pela Nova Schin, com o slogan: “Fui provar outro sabor, eu sei, mas não largo o meu amor, voltei.”
A atitude do artista foi vista como desleal, vez que a campanha da Brahma teve o nítido condão de depreciar as qualidades da cerveja Nova Schin, gerando a responsabilidade pós contratual.

VI. Considerações Finais:

Com o advento do Código Civil de 2002 a boa fé objetiva foi positivada como princípio geral do direito, obrigando as partes contratantes a agirem sempre com lealdade e ética, sendo transparentes na sua forma de atuação. Ela veio romper com a idéia de que tudo aquilo que não for proibido no contrato ou na lei é permitido.

Vê-se, assim, que a autonomia da vontade encontra óbice neste princípio geral do direito, não sendo mais soberana.

Colaboradora: Adriana Guériot