quarta-feira, 29 de abril de 2015

CANDIDATO: Carrinho por Trás, Por que não é Crime?


       Os mais curiosos, provavelmente, já pararam pra pensar nisso. É evidente que não é preciso cursar direito para responder se é crime, mas talvez seja necessário para responder o porque. E mais. Já imaginou algum avaliador em uma prova oral te fazer esta pergunta? Embora simples, a resposta terá que ser técnica.
           
     A primeira análise que se faz é no campo da tipicidade, na análise da conduta. Um lutador de boxe, ou de UFC, dentro do octógono, no momento da luta, exerce, para além do espetáculo midiático, a sua profissão. O art. 5º, XIII da Constituição Federal c/c lei 9.615/98 (Lei Pelé) confere ao desportista o exercício livre regular de sua atividade. Logo em um primeiro momento poderíamos alegar o exercício regular de direito (art. 23, III do CP) excluindo a ilicitude da conduta. Mas se adotarmos a teoria da Imputação Objetiva, a exclusão poderá ser da própria tipicidade. Isso porque, um soco, uma  joelhada, etc, está dentro das regras que são permitidas nessa modalidade de esporte. Logo, as condutas ali se inserem em um risco permitido pelo ordenamento jurídico. Embora haja uma lesão provocada por uma conduta, o risco criado foi permitido e até aceito previamente pela própria vítima. Pela teoria da imputação objetiva, para além de uma valoração naturalística e empírica do nexo causal entre conduta e resultado é necessário uma valoração normativa desse elemento típico. E a partir dessa valoração a tipicidade estaria excluída. 

    Mas e o carrinho por trás, aquela cotovelada maldosa em uma partida de futebol? Não é permitido pelas regras do jogo, pelo contrário, é passível de punição, sem contraditório e ampla defesa, ali mesmo no campo. O risco é proibido e nem é direito do jogador assim agir. Como fica? Aqui a análise que se faz perpassa pelos princípios basilares do direito penal. Como dito, as próprias regras do esporte preveem punição para o agente. Cartão amarelo, vermelho, suspensão por determinado período etc. Seria cabível uma punição também pelo direito penal dessa mesma conduta já sancionada? Princípios como o da intervenção mínima e da fragmentariedade do direito penal indicam que não. O direito penal só se presta a sancionar as condutas proibidas que os demais ramos do direito não são suficientes para reprimir e prevenir. Por vezes, as próprias punições esportivas são mais severas que uma eventual punição no direito penal. Deixar de disputar uma grande final em razão de um cartão vermelho pode ser mais prejudicial do que uma pena de multa, ou uma restritiva de direitos para um esportista milionário. Não seria cabível ao direito penal a sua reprimenda a tais atos. O próprio STJ possui jurisprudência no sentido de não haver o crime de Desobediência (art. 330 do CP) em caso de descumprimentos de ordens judiciais no curso do processo, justamente pela própria lei processual já possuir reprimenda processual-civil suficiente (art. 14, parágrafo único do CPC, como exemplo), aplicando-se justamente os referidos princípios

      Então o sujeito pode matar outro em campo que está tudo bem, leva o vermelho e vai embora? Evidente que não. Um fato dessa gravidade como o resultado morte enseja a intervenção do direito penal. O cenário esportivo não é um campo de imunidades. O bem jurídico vida, pressuposto de exercício de demais direitos fundamentais, deve ser preservado e protegido por todos os ramos do direito. Devemos apenas conjugar normas e princípios e sabermos onde se coloca o ramo criminal.


Colaborador: Bruno Damasco Dos Santos Silva.