quarta-feira, 29 de abril de 2015

Nulidades no Processo Penal: Novas Construções e Limites dos Tribunais Superiores

       
   A teoria das nulidades envolve inúmeros pontos de intenso conflito entre doutrina e jurisprudência. De um lado o aspecto teórico, que busca conjugar uma leitura democrática e constitucional de um processo penal construído em um ambiente autoritário. De outro o aspecto prático, de um judiciário abarrotado, que lida cada vez mais com investigações e processos nível "Mensalão/Lava Jato" e que busca conciliar garantias individuais com a satisfação da pretensão acusatória e punitiva do Estado.
   Diante desse dilema, os Tribunais Superiores vem dando uma nova roupagem a teoria das nulidades no processo penal, fugindo de velhos paradigmas e consolidando outros. Vejamos alguns deles:


Vício no Inquérito Policial Não Contamina Posterior Ação Penal

 Embora parte da doutrina critique tal entendimento, essa é uma das mais consolidadas jurisprudências no âmbito do STF e STJ. Como o art. 155 do CPP entende pela possibilidade de valoração, não exclusiva, dos elementos informativos do inquérito como meio de prova e como os elementos investigativos acompanham e instruem a ação penal, com potencial influência na cognição do magistrado, autores como Aury Lopes Jr entendem ser inadmissível que o inquérito seja visto como um mero elemento informativo, incapaz de contaminar a ação penal.
   No entanto os tribunais superiores advertem que o procedimento investigatório como o inquérito, em razão da sua disponibilidade, de seu caráter informativo e da sua natureza jurídica de procedimento administrativo não seria capaz de, caso havendo ali algum vício, viciar a ação penal que dele se sucede. (STJ HC 287.706/2014)
  No caso, por exemplo, de procedimento investigatório conduzido pela Polícia Federal e que posteriormente seja declarada a incompetência da justiça federal para o feito, embora as autorizações judiciais para as devidas diligências tenham sido feitas por juízo absolutamente incompetente, é indevida o trancamento da ação penal decorrente. (STJ RHC 50.011-PE/2014)
    Ainda, em caso de vício em determinada produção probatória no inquérito, não prospera a teoria dos frutos da árvore envenenada. O inquérito traz elementos informativos, de forma que a ação penal terá instrução probatória própria, com fontes independentes (STF HC 83.921/2004). Entendimento se ilustra através das palavras do Ministro Jorge Mussi: "Eventuais máculas no flagrante não contaminam a ação penal, dada a natureza inquisitorial do inquérito policial". (HC 231.884⁄PR, Rel. Ministro Jorge Mussi. 2014)

Nulidade Absoluta. Necessidade de Demonstração de Prejuízo.

     O processo penal, assim como o processo civil, segue o princípio da pass de nulité san grief, isto é, só há nulidade se houver prejuízo a uma das partes, consubstanciado no art. 563 c/c art. 565 do CPP. Classicamente, a doutrina faz uma distinção entre a nulidade relativa e a nulidade absoluta, sendo que na primeira há a necessidade de se provar o prejuízo, já que há um interesse predominantemente privado, e na segunda o prejuízo é presumido, já que a ofensa é mais grave, geralmente a algum preceito constitucional, em que o interesse público predomina.
     No entanto, a jurisprudência vem relativizando tal conceito e exigindo a demonstração do prejuízo também em sede de nulidade absoluta.
"II –  Esta Corte vem assentando que a demonstração de prejuízo, a teor do art. 563 do CPP, é essencial à alegação de nulidade, seja ela relativa ou absoluta, eis que “(...) o âmbito normativo do dogma fundamental da disciplina das nulidades pas de nullité sans grief compreende as nulidades absolutas” (HC 85.155/SP, Rel. Min. Ellen Gracie). Precedentes" (RHC 110. 623/DF, Rel, Min. Ricardo Lewandoski. 2012)
 "1. Interrogatório do Paciente realizado pelo juízo deprecado com a presença de defensor dativo. Ausência de demonstração de prejuízo. Apesar de existir entendimento deste Supremo Tribunal no sentido de que o prejuízo de determinadas nulidades seria de “prova impossível”, o princípio do pas de nullité sans grief exige, em regra, a demonstração de prejuízo concreto à parte que suscita o vício, independentemente da sanção prevista para o ato, podendo ser ela tanto a de nulidade absoluta quanto a relativa, pois não se decreta nulidade processual por mera presunção. Precedentes."  (HC 107.769/PR, Rel, Min. Cármen Lúcia. 2014)
Incompetência Absoluta. Ratificação Também dos Atos Decisórios.

      Embora parte da doutrina entenda que a incompetência absoluta gera a anulação de todos os atos, o entendimento jurisprudencial dos tribunais superiores seguidos pelos tribunais estaduais é de que verificada a incompetência absoluta aplica-se o art. 567 do CPP, anulando-se os atos decisórios mas ratificando os atos instrutórios já realizados pelo juízo absolutamente incompetente. 
    Esse ainda é o entendimento mais seguido, mas já há decisões em que se relativiza tal jurisprudência, possibilitando a ratificação pelo juízo competente de todos os atos decisórios.
"EMENTA: RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS. PROCESSO PENAL. PEDIDO DE ANULAÇÃO DE ATOS PRATICADOS POR JUÍZO QUE SE DECLAROU INCOMPETENTE. SUPRESSÃO DE INSTÂNCIA. RECURSO A QUE SE NEGA PROVIMENTO. 1. O exame de eventual nulidade de atos praticados por Juízo que se declara incompetente deve ser feito pelo Juízo de Primeiro Grau competente para apreciar a causa, cuja decisão submete-se ao controle pelas instâncias subsequentes. 2. Admite-se a possibilidade de ratificação pelo juízo competente de atos decisórios. Precedentes. 3. Recurso ordinário em habeas corpus desprovido." (RHC 122966, Relator(a):  Min. Roberto Barroso. 2014)
"1. Este Tribunal fixara anteriormente entendimento no sentido de que, nos casos de incompetência absoluta, somente os atos decisórios seriam anulados, sendo possível a ratificação dos atos sem caráter decisório. Posteriormente, passou a admitir a possibilidade de ratificação inclusive dos atos decisórios." (RE 464894 AgR, Relator,  Min. Eros Grau. 2008)


Colaborador: Bruno Damasco Dos Santos Silva


Fonte: http://www.jusbrasil.com.br/jurisprudencia.
            
           LOPES, Aury. Direito Processual Penal. 11.ed. Rio de Janeiro, Saraiva, 2014.