sábado, 25 de abril de 2015

Há incidência de ICMS nas operações de leasing internacional?




O ICMS é o imposto de competência estadual incidente sobre operações relativas à circulação de mercadorias e sobre prestação de serviços de transporte interestadual e intermunicipal e de comunicação.


Sua aplicação tem particularidades e causou muitas divergências, principalmente no referente às operações de arrendamento mercantil – leasing – que se inciavam no exterior com destino ao Brasil. Discussões sobre o fato gerador de tal imposto permearam durante anos os tribunais brasileiros, até que se chegou a uma decisão vinculante sobre a matéria. 

O ICMS é o tributo estadual que incide sobre circulação de mercadorias e prestação de determinados serviços, como descrito na Constituição Federal, me seu artigo 155, II:

“Art. 155. Compete aos Estados e ao Distrito Federal instituir impostos sobre(...)II - operações relativas à circulação de mercadorias e sobre prestações de serviços de transporte interestadual e intermunicipal e de comunicação, ainda que as operações e as prestações se iniciem no exterior.”

O imposto em questão tem destacada importância no orçamento nacional, chegando a representar, sozinho, de 1/3 a 3/4  da arrecadação dos estados da Federação e até 1/4 do orçamento dos municípios, já que uma porcentagem do ICMS  é distribuída aos municípios que compõe o estado arrecadador.

O ICMS atua também como imposto com função extrafiscal, regulando a precificação dos bens de consumo no mercado. O imposto é utilizado na prática como instrumento para corrigir a instabilidade da atividade econômica na indústria, interferindo, portanto, na comercialização dos bens. Tal extrafiscalidade não leva em conta apenas o fim arrecadatório, mas a regularização da vida em sociedade.

Estamos tratando, portanto, do imposto que visa tributar a circulação jurídico-econômica de mercadorias e certas prestações de serviços. No caso do leasing, analisaremos sua incidência sobre as operações.  

Para que haja o fato gerador para a tributação das operações, é necessário que sejam atendidos os seguintes requisitos: que haja uma circulação de mercadoria, que essa circulação recaia no plano jurídico e no econômico e que o bem constante nessa operação seja uma mercadoria.

O sujeito passivo de tal tributo pode ser definido consoante o que determina o art. 4º da Lei Complementar nº: 87/1996, como segue:

a) pessoas que pratiquem operações relativas à circulação de mercadorias;
b) importadores de bens de qualquer natureza;
c) prestadores de serviços de transporte interestadual e intermunicipal;
d) prestadores de serviços de comunicação.

Imperioso destacar que, nos casos em que há mera saída física da mercadoria, não há que se falar em incidência do ICMS. No mesmo sentido, cite-se a Súmula 573 do STF:
“Não constitui fato gerador do imposto de circulação de mercadorias a saída física de máquinas, utensílios e implementos a título de comodato”.
O STJ também segue a mesma linha, com a Súmula 166:

“Não constitui fato gerador do ICMS o simples deslocamento de mercadoria de um para outro estabelecimento do mesmo contribuinte”.
Portanto, para que caiba o imposto, deve haver fato gerador do direito de tributar, sendo necessário que haja um ato de circulação jurídico-econômica de mercadoria, onde haja a transferência de domínio, titularidade de tal bem, saindo do patrimônio do mercador e entrando no do comprador.  A mercadoria, para tanto,  deve ser alienada de forma habitual, organizada e com fim lucrativo.

Sobre o leasing, ou arrendamento mercantil, podemos afirmar que é o negócio que busca permitir a utilização de bens por pessoa física ou jurídica que, por diversas razões, não pretende realizar a compra e venda direta do fornecedor, atuando a empresa de leasing como intermediária do negócio jurídico.

Ao final do prazo do contrato, o arrendatário pode: (i) devolver o bem ao final do contrato,  (ii) prorrogar o contrato de leasing, ou (iii)  adquirir o bem, com a vantagem de somente pagar o valor residual - VRG

Acerca da incidência do ICMS sobre a operação de arrendamento mercantil, a LC 87 é enfática em seu artigo 3º, VII, quando dispõe que o ICMS não incide sobre “operações de arrendamento mercantil, não compreendida a venda do bem arrendado ao arrendatário”.

Isso significa que não se pode falar em cobrança de ICMS sobre as operações de leasing, salvo se for feita a opção de compra.  O não cabimento do ICMS sobre essa operação se deve pelo fato de não haver desdobramento de posse, a transferência de domínio do bem, fazendo com que não ocorra a circulação jurídica da mercadoria de um patrimônio para outro, característica fundamental para se configurar hipótese de incidência de ICMS.

Podemos perceber, então, que nas operações internas a questão da incidência de ICMS sobre o  leasing é pacificada - não há fato gerador de cobrança. Todavia, a questão de incidência do ICMS sobre as operações de leasing internacional sempre gerou muitos debates jurídicos, inclusive com decisões divergentes do próprio STF. 

Decisão fundamental para o começo de tal discussão sobre o tema foi tomada no RE 206.069/SP pela Ministra Ellen Gracie, que estabeleceu que no Leasing Internacional – ou leasing importação – caberia a incidência de ICMS, regendo-se pelo pressuposto de que o fato gerador de ICMS ocorre na entrada da mercadoria no Brasil, independente do tipo de operação a que se refere. Vejamos:

RECURSO EXTRAORDINÁRIO. TRIBUTÁRIO. ICMS. ARRENDAMENTO MERCANTIL –“LEASING”. 1. De acordo com a Constituição de 1988, incide ICMS sobre a entrada de mercadoria importada do exterior. Desnecessária, portanto, a verificação da natureza jurídica do negócio internacional do qual decorre a importação, o qual não se encontra ao alcance do Fisco nacional. 2. O disposto no art. 3º, inciso VIII, da Lei Complementar n. 87/96 aplica-se exclusivamente às operações internas de leasing. 3. Recurso extraordinário conhecido e provido.” (RE 206.069/SP, Pleno, rel. Min. Ellen Gracie. Data de julgamento 01/09 /2005
 Em 2007, porém, o ministro Eros Grau, pressionado por questões de contexto político e econômico do país, deu decisão diversa no RE 461.968/SP, alegando que o ICMS só deve incidir sobre a circulação de mercadorias, sua transferência de domínio, e no caso da operação de leasing sem a opção ao final de compra esse fator não estaria presente, desconfigurando o fato gerador do imposto.

Tendo em vista a divergência de posicionamentos do Supermo Tribunal Federal e a instabilidade jurídica causada por esses desentendimentos, em setembro de 2014 foi decidido o RE 540829/SP, com efeito vinculante, que pacificou a matéria em questão e garantiu uma uniformidade de julgamentos.

A decisão foi proferida no Recurso Extraordinário (RE) 540829, com repercussão geral reconhecida, foi extremamente importante para garantir a segurança jurídica neste tipo de operação, pois, segundo o presidente da Corte, ministro Ricardo Lewandowski, o julgamento significa a solução de, pelo menos, 406 processos que estavam sobrestados nas demais instâncias, em virtude do instituto da repercussão geral.
 “RECURSO EXTRAORDINÁRIO. CONSTITUCIONAL E TRIBUTÁRIO. ICMS. ENTRADA DE MERCADORIA IMPORTADA DO EXTERIOR. ART. 155, II, CF/88. OPERAÇÃO DE ARRENDAMENTO MERCANTIL INTERNACIONAL. NÃO-INCIDÊNCIA. RECURSO EXTRAORDINÁRIO A QUE SE NEGA PROVIMENTO. 1. O ICMS tem fundamento no artigo 155, II, da CF/88, e incide sobre operações relativas à circulação de mercadorias e sobre prestações de serviços de transporte interestadual e intermunicipal e de comunicação, ainda que as operações e as prestações se iniciem no exterior. 2. A alínea “a” do inciso IXdo § 2º do art. 155 da Constituição Federal, na redação da EC 33/2001, faz incidir o ICMS na entrada de bem ou mercadoria importados do exterior, somente se de fato houver circulação de mercadoria, caracterizada pela transferência do domínio (compra e venda). 3. Precedente: RE 461968, Rel. Min. EROS GRAU, Tribunal Pleno, julgado em 30/05/2007, Dje 23/08/2007, onde restou assentado que o imposto não é sobre a entrada de bem ou mercadoria importada, senão sobre essas entradas desde que elas sejam atinentes a operações relativas à circulação desses mesmos bens ou mercadorias. 4. Deveras, não incide o ICMS na operação de arrendamento mercantil internacional, salvo na hipótese de antecipação da opção de compra, quando configurada a transferência da titularidade do bem. Consectariamente, se não houver aquisição de mercadoria, mas mera posse decorrente do arrendamento, não se pode cogitar de circulação econômica. 5. In casu, nos termos do acórdão recorrido, o contrato de arrendamento mercantil internacional trata de bem suscetível de devolução, sem opção de compra. 6. Os conceitos de direito privado não podem ser desnaturados pelo direito tributário, na forma do art. 110 do CTN, à luz da interpretação conjunta do art. 146, III, combinado com o art. 155, inciso II e § 2º, IX, a, da CF/88. 8. Recurso extraordinário a que se nega provimento.” (STF - RE: 540829 SP , Pleno. Relator: Min. GILMAR MENDES, Data de Julgamento 11/09/2014)
Tal julgado  consolida o entendimento do STF de que o ICMS só incide na transferência de propriedade de mercadoria, independente das operações serem internas ou internacionais, passando-se a entender que  o leasing importação segue a lógica do leasing nas operações internas nas quais o imposto só incide se e quando for exercida a opção de compra do bem, harmonizando-se  ao que prevê o artigo 3º, inciso VIII, da Lei Complementar 87/96.


Colaboradora: Luisa Iva Maia Forte

Fontes:

Sabbag, Eduardo. Manual de direito tributário – 6. ed. – São Paulo: Saraiva, 2014.