terça-feira, 28 de abril de 2015

QUESTÃO DE PROVA: A FAZENDA PÚBLICA E O FENÔMENO DA REVELIA


O tema hoje abordado foi questão da prova escrita geral da Procuradoria Geral do Município de Nova Iguaçu em 2014.

Em síntese, a questão pedia para o candidato discorrer sobre a revelia quando a ré fosse a Fazenda Pública.

Primeiramente cabe trazer alguns comentários sobre o fenômeno da revelia.

O professor Alexandre Câmara define a revelia como sendo a ausência de contestação no prazo e forma legais. O autor vai além e diz que “a revelia não deve ser entendida como ausência de resposta, mas como ausência de contestação”. É sabido que o réu pode se defender apresentando contestação, reconvenção ou exceção (alguns autores incluem a impugnação ao valor da causa).

Assim sendo, caso o réu, no prazo legal, não apresente contestação ao pedido inicial será considerado revel.

A ausência de contestação pode gerar alguns efeitos, o que a doutrina chama de efeito material e efeito processual.

O efeito material está previsto no art. 319 do CPC e afirma que não havendo contestação reputar-se-ão verdadeiros os fatos afirmados pelo autor (confissão ficta). A disposição constante do art. 319 do CPC será mitigada em alguns casos, como, por exemplo, na hipótese em que o demandante postular algo absurdo sem o mínimo de verossimilhança. Nessa hipótese pode o magistrado deixar de aplicar o efeito material da revelia e determinar a produção de provas.

Há outras situações em que a própria legislação impede que a revelia produza a confissão ficta (efeito material), como (i) quando a citação for por edital ou com hora certa, pois o curador especial fará a defesa; (ii) quando houver pluralidade de réus e algum deles contestar a ação e houver fato comum entre os litisconsortes, (iii) quando o litígio versar sobre direitos indisponíveis, dentre outros. O art. 320 do CPC indica algumas hipóteses em que a revelia não produzirá tal efeito.

O efeito processual vem disposto nos art. 322 e 330, II do CPC.

 Quando ocorrer o efeito processual os prazos correrão independentemente de intimação, caso o réu não tenha patronos nos autos e poderá o juiz julgar antecipadamente a lide.

Essas são as premissas básicas sobre a revelia que dará um suporte ao candidato para resolver a questão.

Com relação à fazenda pública, sabemos que esta, numa relação de direito material, poderá agir com superioridade em relação ao particular e celebrar, por exemplo, um contrato administrativo dotado de algumas prerrogativas. Por outro lado, pode a Administração Pública atuar em pé de igualdade com o particular numa “relação horizontal” e aí celebrará um contrato privado da administração ou contrato semipúblico.

Com essas considerações fica mais fácil de saber quando os efeitos da revelia poderão ser aplicados em desfavor da fazenda pública.

Quando a fazenda pública estiver atuando em prol do interesse público secundário e celebrando contratos tipicamente regidos pelo direito privado entende parte da doutrina que é cabível a aplicação dos efeitos da revelia, inclusive o material.

Ao revés, doutrina majoritária capitaneada pelo professor Leonardo Carneiro da Cunha entende que atuando a Administração Pública no interesse da coletividade não incidirá o efeito material da revelia, pelo óbice do art. 320, II, do CPC que diz não induzir o efeito material da revelia quando o litígio versar sobre direitos indisponíveis.

O eminente doutrinador expõe que os atos administrativos gozam de presunção de legitimidade, de forma que não há como presumir legítima a pretensão do autor, na hipótese de ser revel a fazenda pública. Em outras palavras, cabe ao demandante comprovar seu direito, não podendo se valer da confissão ficta (efeito material), pois os atos administrativos são dotados de presunção de legitimidade e veracidade.

Com relação aos efeitos processuais da revelia e sua aplicação contra a fazenda pública a doutrina entende que o prosseguimento do processo sem intimação do Procurador pode ser aplicado à fazenda pública, mas o julgamento antecipado da lide (Art. 330, II do CPC) somente caberá se as alegações do autor na inicial estiverem documentadas nos autos. O julgamento conforme o estado do processo não será em decorrência da revelia, mas sim do fato de não precisar mais da produção de provas.

Portanto, deveria o candidato abordar na questão primeiramente o fenômeno da revelia e seus efeitos para posteriormente explanar sobre sua eficácia quando a ré fosse a fazenda pública.


Colaborador: Caio Vaz
Bibliografia: CÂMARA, Alexandre Freitas Lições de Direito Processual Civil. Ed. Lumen Juris. 20ª Ed.
                     CUNHA, Leonardo Carneiro. A Fazenda Pública em Juízo. Ed.Dialética. 12ª Ed.