O juiz Rafael Gonçalves de Paula, da 3ª Vara Criminal da Comarca de Palmas, Tocantins, deu uma verdadeira aula de humanidade e sensatez ao proferir decisão que pôs em liberdade dois acusados de furtar 2 melancias.
O processo, embora antigo, merece ser lembrado em um período em que se vê casos de "furto de galinha" chegando ao Supremo Tribunal Federal.
Confira:
DECISÃOTrata-se de auto de prisão em flagrante de Saul Rodrigues Rocha e Hagamenon Rodrigues Rocha, que foram detidos em virtude do suposto furto de duas (2) melancias. Instado a se manifestar, o Sr. Promotor de Justiça opinou pela manutenção dos indiciados na prisão.Para conceder a liberdade aos indiciados, eu poderia invocar inúmeros fundamentos: os ensinamentos de Jesus Cristo, Buda e Ghandi, o Direito Natural, o princípio da insignificância ou bagatela, o princípio da intervenção mínima, os princípios do chamado Direito alternativo, o furto famélico, a injustiça da prisão de um lavrador e de um auxiliar de serviços gerais em contraposição à liberdade dos engravatados que sonegam milhões dos cofres públicos, o risco de se colocar os indiciados na Universidade do Crime (o sistema penitenciário nacional).Poderia sustentar que duas melancias não enriquecem nem empobrecem ninguém.Poderia aproveitar para fazer um discurso contra a situação econômica brasileira, que mantém 95% da população sobrevivendo com o mínimo necessário.Poderia brandir minha ira contra os neo-liberais, o consenso deWashington, a cartilha demagógica da esquerda, a utopia do socialismo, a colonização européia.Poderia dizer que George Bush joga bilhões de dólares em bombas na cabeça dos iraquianos, enquanto bilhões de seres humanos passam fome pela Terra - e aí, cadê a Justiça nesse mundo?Poderia mesmo admitir minha mediocridade por não saber argumentar diante de tamanha obviedade.Tantas são as possibilidades que ousarei agir em total desprezo às normas técnicas: não vou apontar nenhum desses fundamentos como razão de decidir.Simplesmente mandarei soltar os indiciados.Quem quiser que escolha o motivo.Expeçam-se os alvarás. Intimem-sePalmas - TO, 05 de setembro de 2003.Rafael Gonçalves de PaulaJuiz de Direito