sábado, 2 de maio de 2015

RESP 1.388.440/ES E NOVAS PERSPECTIVAS PARA A MUTATIO LIBELLI.

          


Desclassificação de Conduta Dolosa para Culposa exige Mutatio Libelli.

     A lei 11.719/2008 trouxe inovações e modificou diversos institutos do Processo Penal. Uma dessas alterações foi em relação à Mutatio Libelli. Com o intuito de fortalecer o princípio da congruência entre denúncia e sentença e como forma de garantir o contraditório no processo penal a nova redação do art. 384 do CPP aduz que haverá Mutatio Libelli sempre que em razão da instrução probatória ocorrer nova definição jurídica do fato não constado na denúncia, seja para aplicação de crime menos grave ou mais grave. Essa foi a grande modificação do instituto, pois antes de 2008 só se aditava a denúncia na forma de Mutatio para aplicar pena mais grave. Quando novas provas surgiam durante a instrução para aplicação de pena menos grave (aparição de uma causa de diminuição, desclassificação de um tipo para outro menos grave), o juiz se servia da Emendatio, art. 383 do CPPfazendo apenas constar na sentença essa modificação.
    
     Ocorre que em razão da praxe processual dos juízes e tribunais, mesmo depois da reforma, mantinha-se o mesmo raciocínio que se tinha antes de 2008. Se surgissem elementos probatórios durante a instrução que atenuasse a pena do réu, desnecessário seria o aditamento da denúncia. Dai um conflito se formou. De um lado os tribunais dizendo que não haveria nulidade nesse tipo e raciocínio, pois não haveria prejuízo para defesa, de forma que o réu estaria sendo beneficiado por uma pena menos branda. Do outro lado a doutrina e advogados insistiam na aplicação do instituto de forma plena, de forma a garantir que o réu se defendesse de uma nova imputação, mesmo que menos grave.

     O caso então chegou ao STJ pelo REsp 1.388.440/ES em que se recorria pela anulação do acórdão que confirmou a sentença do juízo de primeira instância em que se desclassificava a conduta do agente da forma dolosa para culposa, em razão de novos elementos surgidos na instrução. Pugnava a defesa que o agente se defendeu da imputação de uma conduta dolosa, e a sua condenação se deu por uma conduta culposa, violando assim o princípio do contraditório e da congruência entre denúncia e sentença. Não se oportunizou que o réu se defendesse da imputação dessa nova modalidade de conduta, que importava agora em um outro tipo penal, na modalidade culposa. O prejuízo estaria comprovado, pois o agente ao se defender de uma conduta dolosa não se defende de uma conduta culposa. Deve-se oportunizar a defesa para cada uma das imputações, por isso a necessidade de se aditar pela Mutatio e não ser surpreendido com uma Emendatio no momento da sentença condenatória. Com razão, o STJ deu provimento ao recurso:
"(...) após o advento da Lei 11.719/2008, qualquer alteração do conteúdo da acusação depende da participação ativa do Ministério Público, não mais se limitando a situações de imposição de pena mais grave, como previa a redação original do  dispositivo. Portanto, o fato imputado ao réu na inicial acusatória, em especial a forma de cometimento do delito, da qual se infere o elemento subjetivo, deve guardar correspondência com aquele reconhecido na sentença, a teor do princípio da correlação entre acusação e sentença, corolário dos princípios do contraditório, da  ampla defesa e acusatório."
     Marcante a decisão do STJ. Veja, se não procede o Parquet pelo aditamento da denúncia de forma agora a imputar ao agente a conduta culposa, resta ao juiz aplicar o art. 28 do CPP remetendo ao Procurador-Geral. Se esse por sua vez não procede pelo aditamento, o juiz terá que absolver o réu, já que a) pela instrução restou comprovado não ter o réu agido dolosamente, o que leva a atipicidade da conduta e exclusão do crime b) não poderá o próprio juiz dar nova definição jurídica ao fato desclassificando a conduta e imputando ao réu fatos não contidos na denúncia. 

     A necessidade de se observar o procedimento da Mutatio possui a finalidade de se garantir o contraditório e ampla defesa, possibilitando ao réu se defender da imputação de um outro crime, ou de fatos que até então a ele não eram imputados.


Retirada de Qualificadora. Necessidade de Mutatio?


     Questão que merece observação e com certeza será alvo de debate nos tribunais é necessidade de Mutatio Libelli se pela instrução probatória restar comprovada a inexistência de uma qualificadora contida na denúncia.  Isso porque o STJ entende, por exemplo, que o art. 121, § 2º, I do CP que introduz uma qualificadora do homicídio pelo cometimento do crime mediante paga ou promessa de recompensa estende-se tanto ao executor do crime como ao mandante.

     Para o STJ trata-se de uma elementar de um tipo penal qualificado e que em razão disso se comunica a todos os coautores do crime. Vejamos no REsp 912.491/ DF, julgado em 2010:
"No homicídio mercenário, a qualificadora da paga ou promessa de recompensa é elementar do tipo qualificado e se estende ao mandante e ao executor"
    Se o STJ entendesse a qualificadora como circunstância do crime, como entende Capez e Grecco, a circunstância de caráter pessoal que é essa qualificadora do homicídio, art. 121, § 2º, I não poderia se comunicar ao mandante, sendo aplicada apenas ao executor. No entanto, o entendimento do tribunal é no sentido de classificar a qualificadora como elementar e portanto comunicável a coautores e partícipes, fugindo de incomunicabilidade de circunstâncias do art. 30 do CP. Mas qual a relevância disso para a Mutatio??

      A doutrina entende que quando há alguma circunstância do crime contida na denúncia (causa de aumento por exemplo) e essa circunstância não é comprovada ou é comprovada não existir na instrução probatória, não há necessidade de aditar a denúncia pela Mutatio Libelli, aplica-se desde já a Emendatio no momento da sentença, na forma de "Supressão de Circunstância". Agora, se se trata de elementar de um crime e há necessidade de suprimir essa elementar imputando ao réu outro crime aplica-se a Mutatio, como dito acima no exemplo da desclassificação do crime doloso para culposo.

     Ora, como vimos, o STJ entende que a qualificadora é elementar de um tipo penal, ainda que derivado. Se assim o é, a supressão da qualificadora importaria na desclassificação de um crime para outro, possivelmente para o caput do artigo. Imaginemos um caso em que a instrução probatória comprove que um determinado homicídio não foi cometido mediante paga ou promessa de recompensa como consta na denúncia. A imputação se deslocaria do art. 121, § 2º, I (Homicídio Qualificado) e iria para o art. 121, caput (Homicídio Simples). Logo, partindo do raciocínio anterior em relação a desclassificação do Homicídio Doloso para Culposo, haveria nessa hipótese a necessidade de Mutatio também. Perceba que em ambos os casos há uma nova imputação, de tipos penais diversos. Adotando a tese do STJ da qualificadora como elementar, seria coerente, assim, o dito raciocínio.

     No entanto, não é o que hoje se aplica. Doutrina e jurisprudência entendem que supressão de causa de aumento e qualificadora são casos de Emendatio na forma de "Supressão de Circunstância". Mas fica a reflexão, por uma questão de coerência conceitual. Se o STJ entende que a qualificadora é elementar de um tipo penal, sendo possível a sua comunicação a coautores e partícipes agravando suas penas, assim deveria entender também para aplicar a Mutatio Libelli quando surgissem elementos na instrução que excluísse essa qualificadora. Se a qualificadora é elementar ou circunstância, é uma discussão que fica para próxima. O que importa é garantir uma coerência na aplicação dos institutos. Fiquemos atentos aos debates que surgirão.


Colaborador: Bruno Damasco Dos Santos Silva


Fonte: https://ww2.stj.jus.br/jurisprudencia/externo/informativo/

https://ww2.stj.jus.br/processo/revista/documento/mediado/?componente=ATC&sequencial=12815487&num_registro=200602686810&data=20101129&tipo=91&formato=PDF.