A “teoria da desconsideração da personalidade jurídica”, também conhecida internacionalmente como “Disregard of legal entity” ou “disregard doctrine”, foi uma teoria construída com o intuito de mitigar o dogma da autonomia absoluta entre o patrimônio de uma pessoa jurídica e o patrimônio daqueles que a compõe. De fato, o art. 1024 do CC nos traz a regra da autonomia patrimonial das sociedades, conforme se depreende de sua leitura:
CC. Art. 1024. Os bens particulares dos sócios não
podem ser executados por dívidas da sociedade, senão depois de executados os
bens sociais.
Entretanto,
tal proteção do patrimônio dos sócios não é absoluta, havendo situações em que
se permite a desconsideração episódica da personalidade jurídica
como forma de coibir o abuso da personalidade jurídica, caracterizado
pelo desvio em sua finalidade ou pela confusão patrimonial
(confusão de seu próprio patrimônio com o patrimônio das pessoas que compõe a
pessoa jurídica). Dessa forma, dispõe o art. 50 do CC:
CC, Art. 50. Em caso de abuso da personalidade
jurídica, caracterizado pelo desvio de finalidade, ou pela confusão
patrimonial, pode o juiz decidir, a requerimento da parte, ou do Ministério
Público quando lhe couber intervir no processo, que os efeitos de certas e
determinadas relações de obrigações sejam estendidos aos bens particulares dos
administradores ou sócios da pessoa jurídica.
Assim,
percebe-se claramente que o Código Civil de 2002 adotou a chamada “TEORIA MAIOR” sobre a desconsideração
da personalidade jurídica. Maior, pois são exigidos mais requisitos para a sua
viabilização, permitindo a penetração no patrimônio das pessoas físicas que
compõe a pessoa jurídica para o adimplemento de obrigações desta. Veja o
esquema que trouxemos para facilitar a compreensão desses requisitos (clique para ampliar):
Dessa
forma, havendo a demonstração do “Desvio de Finalidade” ou de “Confusão
Patrimonial” na pessoa jurídica, é possível a desconsideração da personalidade
jurídica desta com base na “Teoria Maior” no caso concreto, como forma de
viabilizar o ressarcimento de prejuízos a credores.
Também
na esteira da “Teoria Maior”, convém citar alguns enunciados importantes do
CJF, que tem sido muito cobrados em provas:
Enunciado nº 7 – Art. 50: só se aplica a
desconsideração da personalidade jurídica quando houver a prática de ato
irregular e, limitadamente, aos administradores ou sócios que nela hajam
incorrido.
Enunciado nº 146 – Art. 50: Nas relações civis,
interpretam-se restritivamente os parâmetros de desconsideração da
personalidade jurídica previstos no art. 50 (desvio de finalidade social ou
confusão patrimonial). (Este Enunciado não prejudica o
Enunciado n. 7).
Enunciado nº 282 – Art. 50. O encerramento irregular
das atividades da pessoa jurídica, por si só, não basta para caracterizar abuso
de personalidade jurídica.
Entretanto,
ainda que o STJ entenda que a Teoria Maior seja a regra para a desconsideração
da personalidade jurídica, isto não impede a previsão de outros requisitos para
a aplicação da “disregard doctrine” em outros ramos do direito. No mesmo
sentido, veja o Enunciado nº 51 do CJF:
Enunciado nº 51 – Art. 50: a teoria da
desconsideração da personalidade jurídica – disregard doctrine – fica
positivada no novo Código Civil, mantidos os parâmetros existentes nos microssistemas legais e na construção
jurídica sobre o tema.
Assim,
ponderando a autonomia patrimonial da pessoa jurídica com outros valores
importantes para o ordenamento jurídico, como a tutela do consumidor e a
proteção ao meio ambiente, legislações como o Código de Defesa do Consumidor
(CDC) e a Lei 9.605/98 (Lei dos Crimes e Sanções Ambientais) dispuseram menos
requisitos para a desconsideração da personalidade jurídica nestes
microssistemas. Vejamos:
CDC, Art. 28. O juiz poderá desconsiderar a
personalidade jurídica da sociedade quando, em detrimento do consumidor, houver
abuso de direito, excesso de poder, infração da lei, fato ou ato ilícito ou
violação dos estatutos ou contrato social. A desconsideração também será
efetivada quando houver falência, estado de insolvência, encerramento ou
inatividade da pessoa jurídica provocados por má administração.
§5º Também
poderá ser desconsiderada a pessoa jurídica sempre que sua personalidade for,
de alguma forma, obstáculo ao ressarcimento de prejuízos causados aos consumidores.”
L9605. Art. 4º
Poderá ser desconsiderada a pessoa jurídica sempre que sua personalidade for
obstáculo ao ressarcimento de prejuízos causados à qualidade do meio ambiente.
De
acordo com o STJ e a quase unânime doutrina, a Lei de Crimes Ambientais e o CDC
adotaram a “TEORIA MENOR” para a desconsideração da personalidade jurídica.
Menor, pois são exigidos menos requisitos para sua aplicação, uma vez que basta
a demonstração de que a personalidade jurídica da sociedade configura um
obstáculo para a reparação de prejuízos ao consumidor ou ao meio ambiente.
Desse modo, verificada
apenas a insuficiência de patrimônio da pessoa jurídica para a satisfação do
crédito, é sim possível a desconsideração da personalidade jurídica da PJ, com base na “Teoria Menor”, sendo dispensável a demonstração de desvio de finalidade ou confusão patrimonial.
Para facilitar a
compreensão desse tema, veja a seguinte questão da banca CESPE e o esquema que
preparamos:
Sobre o tema, também
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PARGENDLER e NANCY ANDRIGHI dão uma verdadeira aula sobre o tema. Segue o link:
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