domingo, 6 de julho de 2014

O que são "obrigações valutárias"? O Código Civil de 2002 admite tal figura?






Nada mais são do que as obrigações pactuadas em moeda estrangeira. Conforme bem nos ensina Maria Helena Diniz (vol.2, 22ª edição, pag. 86), o termo valutaria vem de valuta ou divisa estrangeira, sendo uma modalidade de pactuação muito usual no direito português.

Sobre o tema, veja o seguinte julgado do Superior Tribunal de Justiça de Portugal:

Obrigação valutária Estipulação Condenação em moeda nacional Trânsito em julgado
I - Dizem-se valutárias as obrigações cujo cumprimento se estipula que seja feito em moeda estrangeira, obedecendo o pagamento, em regra, ao princípio nominalista: o devedor cumprirá, entregando o número estipulado de libras, dólares, marcos, francos, rands, etc., seja qual for o valor corrente aquisitivo e intrínseco ou cambiário dessa moeda. (...)
(Processo nº 222/96 - 2ª Secção Relator: Miranda Gusmão)

A obrigação valutária pode ser pura ou impura.
No primeiro caso as partes convencionam a obrigação de pagar em moeda estrangeira, que se torna a única prestação possível em virtude da imperatividade do vínculo obrigacional.
No segundo caso a estipulação em moeda estrangeira não é imperativa. O devedor poderá exonerar-se pagando em moeda nacional ao câmbio do dia do cumprimento (seria uma espécie de obrigação alternativa).

O direito brasileiro admite as obrigações valutárias?
NÃO. O Código Civil de 2002 vedou expressamente a possibilidade de pactuação da obrigação em moeda estrangeira no art. 318, estabelecendo como consequência sua NULIDADE.

CC, Art. 318. São nulas as convenções de pagamento em ouro ou em moeda estrangeira, bem como para compensar a diferença entre o valor desta e o da moeda nacional, excetuados os casos previstos na legislação especial. 

No entanto, atenção para a ressalva do final do dispositivo, quanto à eventual previsão em legislação especial. Assim, se um tratado internacional, por exemplo, vier a prever a possibilidade da pactuação de obrigações valutárias, aparentemente não haveria conflito com a legislação nacional. 


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Desconsideração da Personalidade Jurídica - TEORIA MAIOR x TEORIA MENOR




A “teoria da desconsideração da personalidade jurídica”, também conhecida internacionalmente como “Disregard of legal entity” ou “disregard doctrine”, foi uma teoria construída com o intuito de mitigar o dogma da autonomia absoluta entre o patrimônio de uma pessoa jurídica e o patrimônio daqueles que a compõe. De fato, o art. 1024 do CC nos traz a regra da autonomia patrimonial das sociedades, conforme se depreende de sua leitura:


CC. Art. 1024. Os bens particulares dos sócios não podem ser executados por dívidas da sociedade, senão depois de executados os bens sociais.


Entretanto, tal proteção do patrimônio dos sócios não é absoluta, havendo situações em que se permite a desconsideração episódica da personalidade jurídica como forma de coibir o abuso da personalidade jurídica, caracterizado pelo desvio em sua finalidade ou pela confusão patrimonial (confusão de seu próprio patrimônio com o patrimônio das pessoas que compõe a pessoa jurídica). Dessa forma, dispõe o art. 50 do CC:


CC, Art. 50. Em caso de abuso da personalidade jurídica, caracterizado pelo desvio de finalidade, ou pela confusão patrimonial, pode o juiz decidir, a requerimento da parte, ou do Ministério Público quando lhe couber intervir no processo, que os efeitos de certas e determinadas relações de obrigações sejam estendidos aos bens particulares dos administradores ou sócios da pessoa jurídica.



Assim, percebe-se claramente que o Código Civil de 2002 adotou a chamada “TEORIA MAIOR” sobre a desconsideração da personalidade jurídica. Maior, pois são exigidos mais requisitos para a sua viabilização, permitindo a penetração no patrimônio das pessoas físicas que compõe a pessoa jurídica para o adimplemento de obrigações desta. Veja o esquema que trouxemos para facilitar a compreensão desses requisitos (clique para ampliar):



Dessa forma, havendo a demonstração do “Desvio de Finalidade” ou de “Confusão Patrimonial” na pessoa jurídica, é possível a desconsideração da personalidade jurídica desta com base na “Teoria Maior” no caso concreto, como forma de viabilizar o ressarcimento de prejuízos a credores.

Também na esteira da “Teoria Maior”, convém citar alguns enunciados importantes do CJF, que tem sido muito cobrados em provas:


Enunciado nº 7 – Art. 50: só se aplica a desconsideração da personalidade jurídica quando houver a prática de ato irregular e, limitadamente, aos administradores ou sócios que nela hajam incorrido.
Enunciado nº 146 – Art. 50: Nas relações civis, interpretam-se restritivamente os parâmetros de desconsideração da personalidade jurídica previstos no art. 50 (desvio de finalidade social ou confusão patrimonial). (Este Enunciado não prejudica o
Enunciado n. 7).

Enunciado nº 282 – Art. 50. O encerramento irregular das atividades da pessoa jurídica, por si só, não basta para caracterizar abuso de personalidade jurídica.


Entretanto, ainda que o STJ entenda que a Teoria Maior seja a regra para a desconsideração da personalidade jurídica, isto não impede a previsão de outros requisitos para a aplicação da “disregard doctrine” em outros ramos do direito. No mesmo sentido, veja o Enunciado nº 51 do CJF:


Enunciado nº 51 – Art. 50: a teoria da desconsideração da personalidade jurídica – disregard doctrine – fica positivada no novo Código Civil, mantidos os parâmetros existentes  nos microssistemas legais e na construção jurídica sobre o tema.


Assim, ponderando a autonomia patrimonial da pessoa jurídica com outros valores importantes para o ordenamento jurídico, como a tutela do consumidor e a proteção ao meio ambiente, legislações como o Código de Defesa do Consumidor (CDC) e a Lei 9.605/98 (Lei dos Crimes e Sanções Ambientais) dispuseram menos requisitos para a desconsideração da personalidade jurídica nestes microssistemas. Vejamos:

CDC, Art. 28. O juiz poderá desconsiderar a personalidade jurídica da sociedade quando, em detrimento do consumidor, houver abuso de direito, excesso de poder, infração da lei, fato ou ato ilícito ou violação dos estatutos ou contrato social. A desconsideração também será efetivada quando houver falência, estado de insolvência, encerramento ou inatividade da pessoa jurídica provocados por má administração.
§5º Também poderá ser desconsiderada a pessoa jurídica sempre que sua personalidade for, de alguma forma, obstáculo ao ressarcimento de prejuízos causados aos consumidores.”

L9605. Art. 4º Poderá ser desconsiderada a pessoa jurídica sempre que sua personalidade for obstáculo ao ressarcimento de prejuízos causados à qualidade do meio ambiente.


De acordo com o STJ e a quase unânime doutrina, a Lei de Crimes Ambientais e o CDC adotaram a “TEORIA MENOR” para a desconsideração da personalidade jurídica. Menor, pois são exigidos menos requisitos para sua aplicação, uma vez que basta a demonstração de que a personalidade jurídica da sociedade configura um obstáculo para a reparação de prejuízos ao consumidor ou ao meio ambiente.

Desse modo, verificada apenas a insuficiência de patrimônio da pessoa jurídica para a satisfação do crédito, é sim possível a desconsideração da personalidade jurídica da PJ, com base na “Teoria Menor”, sendo dispensável a demonstração de desvio de finalidade ou confusão patrimonial.

Para facilitar a compreensão desse tema, veja a seguinte questão da banca CESPE e o esquema que preparamos:


Sobre o tema, também recomendamos fortemente a leitura do REsp 279273 SP, no qual os ministros ARI PARGENDLER e NANCY ANDRIGHI dão uma verdadeira aula sobre o tema. Segue o link: http://goo.gl/FCgCTE


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